(1943-2012)
Nasceu em Pisa, aí se licenciou em Letras e Filosofia e foi bolseiro da Scuola Normale Superiore. A sua carreira universitária iniciou-se em Bolonha. Tabucchi foi professor de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Génova, na Universidade de Siena e também na Universidade de Pisa e diretor do Instituto Italiano de Cultura em Lisboa (1985-1987). Com Maria José de Lancastre, traduziu para italiano as obras de Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Alexandre O’Neill. Durante bastante tempo a sua residência dividiu-se entre a Toscânia e Lisboa. Neste momento, Tabucchi está em constante movimento, pelo que as suas estadias em Portugal são cada vez menos frequentes e mais breves.
A sua obra foi traduzida para mais de trinta línguas. Recebeu vários prémios nacionais e internacionais, dentre os quais constam: “Premio Luigi RUSSO” (1981 – Itália); “Premio Comisso” (1985 – Itália); “Prix Médicis Étranger” (1987 – França); “Premio Pen Club” (1992 – Itália); “Viareggio”, “Campiello”, “Palazzo al Bosco” e “Premio dei Lettori”, todos atribuídos em Itália no ano de 1994 ao romance Sostiene Pereira; “Prix Européen Jean Monnet” (1995 – França); “Aristeion” da Literatura Europeia (1997 – Grécia); “Österreichischen Staatspreises für Europäische Literatur” (1997- Áustria); e “Nossack Akademiepreis” (1998 – Alemanha). Além disso foram-lhe atribuídas as seguintes honras: Chevalier des Arts et des Lettres da República Francesa e Cavaleiro da Ordem do Infante D. Henrique da República Portuguesa. Recebeu também o Prémio de Liberdade de Expressão Josep Maria Llado (Catalunha- Espanha).
Várias das suas obras inspiraram a sétima arte, com filmes como Nocturne Indien de Alain Corneau, 1989; Rebus de Massimo Guglielmi, 1992; O Fio do Horizonte de Fernando Lopes, 1993; Sostiene Pereira de Roberto Faenza, 1995; e Requiem de Alain Tanner, 1998. A sua obra Il Signor Pirandello è desiderato al telefono e Il tempo stringe, juntamente com outras narrativas adaptadas, foram representadas em teatros italianos, portugueses e franceses. Uma questão central na obra de Tabucchi parece ser a de uma busca identitária a marcar a construção das suas personagens. Em entrevista de 1999, Tabucchi afirma mesmo: “J’ai toujours aimé les personnalités tourmentées et contradictoires. Plus on doute, mieux on se porte. (…) Ils se cherchent eux-mêmes au travers des autres: je pense que c’est la meilleure façon de se trouver soi-même.” (Tabucchi, 1999). Esta busca do eu em Tabucchi é realizada, na maior parte das vezes, através de viagens, algumas em espaços familiares, outras em ambientes desconhecidos, como, por exemplo, em Nocturno Indiano. A personagem é confrontada com a sua própria essência ao deparar-se com novas situações e personagens. Trata-se igualmente de uma obra que pretende ser interpelante e assente numa conceção do escritor e do intelectual enquanto figura comprometida com o mundo: “Je revendique le droit de prendre position à l’occasion. (…) La fonction de l’intellectuel et de l’écrivain est de douter de la perfection.” (ibidem) Ou como afirma em entrevista conduzida por Carlos Vaz Marques, “(…) a literatura deve ser algo que inquieta e incomoda” (2009: 46). Foi durante a época de sessenta que Tabucchi iniciou o percurso rumo a Portugal, país de que se enamorou, devido ao encontro de Tabacaria de Fernando Pessoa. Nessa altura, desenvolveu o seu estudo sobre o autor português e os conceitos de heteronímia, saudade e ficção. Lembra o autor em Figaro Magazine de 1998: “Recordo-me de um bouquiniste onde comprei uma plaquette em francês com um poema de um autor desconhecido. Comprei-a por duas razões fundamentais: porque o poema tinha um título bizarro e porque o livro era muito barato.” (apud António Tabucchi, Geografia de um Autor Inquieto, 2001).
A forte ligação que estabeleceu com Portugal encontra ecos na sua prosa de ficção. Em algumas das suas obras, o motivo Portugal funciona apenas num âmbito diegético, enquanto noutras é como que uma personagem mais. Tabucchi escreve romances, contos (O Jogo do Reverso) e biografias fictícias (Os últimos três dias de Fernando Pessoa), romances epistolares (Está a fazer-se cada vez mais tarde), descreve sonhos ou alucinações (Requiem), nos quais muitas vezes a realidade portuguesa, a tipicidade do espaço lusitano estão fielmente transcritas. Em obras inspiradas e/ou passadas em Portugal, Tabucchi revela o seu conhecimento profundo do espaço pela variedade de cenários (Açores, Lisboa ou Porto), pela presença de figuras que contribuíram para a nossa cultura (como, por exemplo, Maria João Pires, Amália, Fernando Pessoa), pelos retratos de Portugal ao longo do tempo (situados num passado mais ou menos próximo como em A Cabeça perdida de Damasceno Monteiro ou em Afirma Pereira). Além disso, verifica-se na obra de Tabucchi a representação não estereotipada do português; por exemplo, em Afirma Pereira, são-nos apresentadas personagens bastante diferentes, Pereira e Monteiro Rossi, neste caso, em contexto ditatorial, ocasião explorada para uma afirmação de convicções democráticas. As preocupações de natureza política e social são de resto sublinhadas por Manuel Villaverde Cabral quando afirma que “Precisamente porque Tabucchi ama este país, porventura mais desinteressadamente do que muitos portugueses, é que ele não se pode calar perante as taras da nossa sociedade (…). Tanto mais que ele encontra sempre, na nossa paisagem humana, objectos de ternura e admiração.”(apud Tabucchi, 2000). Com efeito, Tabucchi defende os direitos de igualdade, a liberdade de expressão e as minorias. Assim, na obra A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro, a sua simpatia para com a etnia cigana está bastante marcada pela maneira como fala da personagem Manolo. A profunda ligação a Portugal passa também pela língua e, por esse motivo, Tabucchi escreverá Requiem – Uma Alucinação directamente em Português. Afirma o escritor em entrevista que “Scrivere un testo letterario in una lingua diversa dalla propria è un’esperienza molto importante. È come un battesimo.” (apud Gambaro), mostrando a necessidade de criar uma relação mais íntima através da apropriação da língua ou no termo utilizado pelo autor, através de um “baptismo”. Na verdade, Tabucchi é um cidadão do mundo, com dois grandes portos de abrigo: Itália e Portugal. “Dall’Italia, Lisbona ci appare all’estremità dell’Europa, viene considerata un punto di arrivo. Ma quando ci si trova lì, ci si rende conto che è una città che invita alla partenza. D’altronde, i portoghesi sono sempre stati delle anime inquiete e dei grandi viaggiatori. Questo spirito vagabondo è un aspetto della cultura portoghese che amo molto e che credo di avere in parte ereditato” (ibidem). A obra de Antonio Tabucchi devido às inúmeras traduções e adaptações para outras artes, tem levado, deste modo, a imagem de Portugal e dos portugueses a viajar pelo mundo.
Passagens
Itália, França, Portugal, Índia.
Citações
A primeira ilha que se encontra, vista do mar, é uma extensão de verde e no meio dela brilham frutos como gemas e, por vezes, aves estranhas de plumas purpúreas confundem-se com eles. As costas são impérvias, de rocha preta habitada por falcões marinhos que choram quando cai o crepúsculo e que esvoaçam inquietos com ar de pena sinistra. As chuvas são abundantes e o sol impiedoso: e devido a este clima e à terra preta e rica as árvores são altíssimas, os bosques luxuriantes e as flores abundam: grandes flores azuis e cor-de-rosa, carnosas como frutos, que nunca vi em nenhum outro lugar (…). (Mulher de Porto Pim, pp. 11-12)
Para os navegantes que param na Horta é norma deixar no paredão do molhe um desenho, um nome, uma data. É um muro com uns cem metros de comprido, onde se sobrepõem desenhos de barcos, cores de bandeiras, números, frases. (idem, p. 39)
Eu, a princípio tinha recusado, receando um espectáculo sangrento, mas mudei de opinião porque o espectáculo não é de maneira nenhuma sangrento, não matam o touro, sabe, meu caro Pessoa, o toureiro faz um gesto simbólico com o braço, depois de ter embriagado o animal com a sua dança e nessa altura entra na arena uma manada de vacas e o toiro junta-se a elas e sai. Mas devia ver a elegância dos cavaleiros vestidos com fatos do século dezoito, os arreios dos cavalos e as suas reviravoltas à volta do toiro, em suma, foi um espectáculo inesquecível. (Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa – um Delírio, p. 53)
Mais abaixo, no fundo da encosta, o rio Douro brilhava sob o sol oblíquo que nascia por entre as colinas. Duas ou três barcaças de mercadorias, que vinham do interior e se dirigiam para a cidade, tinham as velas enfunadas mas pareciam imóveis na superfície do rio. Transportavam tonéis de vinho para as caves da cidade (…). (A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro, pp. 21 e 22)
Tinha o guia consigo e pensou ir à descoberta da cidade, os mercados por exemplo, os bairros populares que não conhecia. Ao descer pelas ruelas íngremes da Baixa foi encontrando uma animação de que não suspeitava. De facto o Porto conservava certas tradições que Lisboa já tinha perdido, por exemplo algumas peixeiras vestidas de preto, com as canastras à cabeça, e depois aqueles pregões dos vendedores ambulantes que lhe recordaram a sua infância: as gaitas dos amoladores, as cornetas esganiçadas dos vendedores de fruta. Atravessou a Praça da Alegria, que era mesmo alegre como indicava o seu nome. (idem, p.98)
Como era diferente uma cidade cheia de luz e com um sol resplandecente. Firmino lembrou-se da última vez que tinha visto aquela cidade, naquele dia enevoado de Dezembro, quando lhe parecera tão tétrica. Agora, pelo contrário, o Porto tinha um ar alegre, vital, animado, e as sardinheiras das sacadas da Rua das Flores estavam todas em flor. (idem, p. 271)
Ora bem, disse o Chauffeur de Táxi, agora tem de me indicar o caminho. É fácil, disse eu, entra no Largo de Camões e aí, onde está a Joalharia Silva, apanha aquela rua que desce, é a Calçada do Combro, depois apanha a Calçada da Estrela enfia pela Domingos Sequeira até Campo de Ourique, aí tem de procurar à esquerda a Saraiva de Carvalho que nos leva direitinhos ao Largo do Cemitério dos Prazeres. (Requiem – uma Alucinação, p. 24)
Estava realmente uma noite magnífica, de lua cheia, quente e mole, com alguma coisa de sensual e de mágico, na praça quase não havia carros, a cidade estava como que parada, as pessoas deviam ter-se demorado nas praias e só voltariam mais tarde, o Terreiro do Paço estava solitário, um cacilheiro apitou antes de partir, as únicas luzes que se viam no Tejo eram as suas, tudo estava imóvel como num encantamento (…). (idem, p. 105)
(…) a África que Portugal conquistou com armas e caravelas, aonde levou a civilização de Cristo, a língua do Ocidente, e a escravatura, regressa agora como uma nemésis, regressa com o seu crioulo colorido que uma vendedeira de laranjas do Porto aprendeu ignorando talvez que a África se reflecte nela (…). (Está a fazer-se cada vez mais tarde, p. 165)
Objectei que também tinha montanhas, oh a Serra da Estrela, exclamou, uma imitação de montanha, para chegar aos dois mil metros tiveram que pôr lá uma antena. É um país marítimo, disse eu, um país de gente que se lançou pelo oceano fora, que deu ao mundo loucos dignos e corteses, negreiros e poetas doentes de infinito. (O Jogo do Reverso, e Outros Contos, p. 20)
Bibliografia Ativa Selecionada
TABUCCHI, Antonio (1998), Afirma Pereira, Lisboa,Quetzal Editores.
—- (1983), Mulher de Porto Pim, trad. Maria Emília Marques Mano, Algés, Difel.
—- (1985), Pequenos Equívocos sem Importância, trad. Helena Domingos e António Mega Ferreira, Lisboa, Difel.
—- (1995), Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa – um Delírio, trad. M.ª da Piedade Ferreira, Lisboa, Quetzal Editores.
—- (1998), Sonhos de Sonhos, trad. M.ª da Piedade Ferreira, Lisboa, Quetzal Editores.
—- (1998), Nocturno Indiano, trad. Maria Emília Marques Mano, Lisboa, Quetzal Editores.
—- (1999). O Jogo do Reverso, e Outros Contos, trad. Maria José de Lancastre e Maria Emília Marques Mano (O Jogo do Reverso) e José Colaço Barreiros (Outros Contos), Lisboa, Quetzal Editores.
—- (2000), A Cabeça Perdida de Damasceno Monteiro, trad. Theresa de Lancastre, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (2003), Está a fazer-se cada vez mais tarde, trad. Gaëtan Martins de Oliveira, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (2006), Requiem – uma Alucinação, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
Bibliografia Crítica Selecionada
AAVV (2001), António Tabucchi, Geografia de um Autor Inquieto, coord. Maria José de Lancastre, Lisboa,Fundação Calouste Gulbenkian.
MARQUES, Carlos Vaz (2009), “Entrevista a Antonio Tabucchi” in Ler, Abril, pp. 36-46.
“Antonio Tabucchi: douter toujours, dénoncer parfois” [entrevista conduzida por Asbel López, para o Courrier de l’UNESCO].
Cláudia Araújo 2015/08/03