(1878-1962)
A pintora alemã de origem judaica Gretchen Wohlwill, membro fundador da Secessão de Hamburgo, integrou a vaga de refugiados que chegaram a Portugal no período da 2.ª Guerra Mundial e aqui permaneceu até 1952.
Filha de uma família liberal de judeus assimilados – o pai era o conhecido engenheiro electro-químico Emil Wohlwill – teve também ela uma carreira de sucesso, alicerçada numa sólida formação: aluna de Ernst Eitner e de Arthur IIies na Escola de arte feminina de Valeska Röver, em Hamburgo, da Academie de la Grande Chaumière (1904/1905) em Paris e do Atelier Matisse (1909/1910), onde é discípula do pintor. Leciona no prestigiado liceu feminino Emilie-Wüstenfeld e em 1919 funda com outros pintores (p.ex. Anita Rée e Alma del Banco) a Secessão de Hamburgo; integra o clube Hamburgische Künstlerschaft; e a associação Deutscher Künstlerbund, escola e organizações de que é expulsa pelas medidas antissemitas do nacional-socialismo.
A sua pintura, inicialmente de matriz impressionista, depois fortemente influenciada por Matisse e Cézanne, incorpora nos anos 20 elementos cubistas e expressionistas, mais tarde aproxima-se da Nova Objetividade, partilhando, com outros pintores da Secessão de Hamburgo a pintura plana e elementos lineares. A sua obra integra não só óleos e gravuras, mas também aguarelas e desenhos. Pinta retratos, muitas figuras femininas, grupos de figuras, mas também naturezas mortas, flores e passagens (Bruhns 2006: 64-65).
Viajante frequente, visita, por vezes com outros pintores, Inglaterra, França, Itália, Holanda, Bélgica, Dinamarca e Portugal. É, porém, com relutância que decide emigrar para Lisboa, onde o irmão, Friedrich Wohlwill (1881-1958), prestigiado anatomo-patologia, se integrara com sucesso. Procurando a sua independência, Gretchen Wohlwill sobrevive à custa de modestos trabalhos manuais, primeiro, depois como professora particular de língua alemã.
No final da guerra, Wohlwill torna-se conhecida como pintora em Portugal: participa em 5 exposições coletivas e expõe também individualmente, em Lisboa e no Porto; recebe duas vezes o prémio Francisco de Holanda (1948 e 1952), atribuído pelo SNI, alarga o seu círculo de relações tanto em Lisboa como no norte do país, recebe críticas laudatórias e encomendas, vende para os mais prestigiados museus do país. Atualmente, e muito embora existam obras suas nas coleções do Museu da Gulbenkian e do Museu Nacional de Arte Contemporânea. Museu do Chiado, o seu nome encontra-se quase esquecido entre nós.
Das suas experiências portuguesas fala o primeiro capítulo das memórias, que escreve depois do regresso a Hamburgo e publicadas apenas na década de oitenta: exposições, contactos sociais, alunos e as suas famílias. Refere, com diferentes pormenores, o seu conhecimento com Diogo de Macedo, Adriano Gusmão, Maria Keil e Francisco Keil do Amaral, Albano Homem de Melo e a família, os pintores Carlos Botelho, Júlio Pomar e Lima de Freitas. Conta como conhece o norte do país, nomeadamente a região de Aveiro e do Minho, refere férias e períodos de trabalho no Porto, na zona de Esposende e no Douro, paisagens que regista também nas suas pinturas. Declara-se seduzida pela língua portuguesa, que, segundo testemunhos de quem a conheceu, falaria bastante bem, assim como pela nossa literatura (Wohlwill/Loose: 1-9).
Todavia, como ela própria escreve, nunca se sentirá em casa em Portugal, embora ao regressar à Alemanha lamente os muitos amigos que deixa para trás. Entre estes destaca-se Ilse Losa, a quem a terá ligado uma forte amizade, com eco na colaboração e até contaminação das respetivas obras (Gretchen Wohlwill desenha a cabeça de menina para a 1.ª edição de O Mundo em que Vivi (1949)).
A pintura portuguesa de Wohlwill trai os sentimentos antagónicos de atração e estranhamento que a ligavam a Portugal. Os quadros vão-se povoando de motivos e figuras portuguesas, mas os traços esfumados e as paisagens onde as figuras humanas se esbatem ou desaparecem (radicalizando-se uma evolução que acompanhara o crescer do nacional-socialismo na Alemanha), sugerem estranheza face à alteridade de um povo que, como Wohlwill escreve nas suas memórias, se lhe afigura incompreensível na apatia, na submissão das mulheres, nos seus horizontes fechados, na exploração de que é vítima passiva (Ex. Óleo das mulheres a bordar na rua). O sentimento de alteridade tinge-se, assim, de uma velada crítica: Wohlwill, que escreve nas suas memórias nada poder dizer sobre a política portuguesa, mas logo tematiza a falta de liberdade no regime de Salazar, escolhe para alguns dos seus quadros motivos próximos do neo-realismo português (“Die Weinlese” (A vindima)); a Saída dos operários da Lisnave, Museu Nacional de Arte Contemporânea). Gradualmente, a sua pintura incorpora uma nova claridade, mas também em Portugal há ainda quadros em que a luz é sombria, as linhas mais fortes e definidas, os contornos agrestes (Moinhos na pedreira da Aguieira).
Regressada a Hamburgo ao fim de doze anos em Portugal, Wohlwill vive ainda mais doze anos, procurando reencontrar-se numa cultura que nunca deixou de sentir como sua. Os muitos quadros que pinta nesta fase juntam influências de Matisse e técnicas que privilegiara nos anos 30. Os seus críticos são unânimes em notar que nunca abandonou as cores fortes e a luz de Portugal (Loose: 56).
Passagens
Portugal, Alemanha.
Citações
Afeiçoei-me à língua e também a uma série de pessoas. O país, o clima e a cidade de Lisboa permaneceram-me sempre estranhos. (WOHLWILL/LOOSE, 1).
Não é só o povo que é apático, também as classes mais altas vegetam numa certa apatia: “província”, é a palavra que serve também para caraterizar Lisboa. É por isso que quero sair daqui. (carta a Bargheer, 1950, apud BRUHNS, 1989: 38)
Ilse Losa é em Portugal a mulher de quem me senti mais próxima. Como judia, partilha o meu destino; a nível pedagógico, político e artístico somos da mesma opinião. Nos seus romances e novelas descreveu aquilo que eu própria experienciei. (WOHLWILL/LOOSE, 2)
Não me cabe a mim falar sobre a situação política e social em Portugal. No estrangeiro fala-se sempre de uma «ditadura branda». Bem, não é, certamente, assim tão branda, se, por exemplo, um homem como António Machado, zoólogo importante, não consegue trabalhar na função pública e se tantos dos seus correligionários são metidos tantas vezes na cadeia, outros desaparecem para sempre sem deixar rasto ou morrem na ilha penal do Tarrafal. A censura devastadora não deixa passar nada de negativo e quase nada sobre a Alemanha de Hitler. (WOHLWILL/LOOSE, 7)
Bibliografia Crítica Selecionada
BRUHNS, Maike, “Gretchen Wohlwill”, in: Luckhardt, Ulrich, M.B. e Martin Blumenthal, Künslerinnen der Avantgarde in Hamburg zwischn 1890 und 1930, (Catálogo), Hamburger Kunsthalle, Hachmannedition.
BRUHNS/ROSENKRANZ (1989): Gretchen Wohlwill – Eine jüdische Malerin der Hamburger Secession. Hamburg, Ellert und Richter Verlag.
WOHLWILL/LOOSE, Hans-Dieter (1984), Lebenserinnerungn einer Hamburger Malerin, Hamburg, Ges.für Bücherfrunde zu Hamburg.
Maria Teresa Oliveira