(1908-1942)
Annemarie Schwarzenbach, oriunda de uma importante família de industriais suíços, começou cedo a sua atividade como escritora, inicialmente com obras de caráter ficcional, para se dedicar às viagens e à sua cobertura em textos para jornais, mas também em livros. A partir de 1929 escreve regularmente para diversos jornais suíços, sobretudo o Neue Zürcher Zeitung e o National-Zeitung. Depois do Doutoramento em História Medieval e da escrita de algumas novelas e romances, começou a sua atividade de viajante e jornalista de viagens pelo Médio-Oriente, com especial ênfase a Pérsia. Publicou um tipo de diário sobre a primeira viagem (Winter im Vorderasien, 1934, Inverno no Próximo-Oriente). Viajou também por diversos países europeus, fixando nas reportagens momentos do avanço dos nacional-socialistas, mas também de momentos de repulsa face a essa nova realidade política. Nos EUA escreveu reportagens política e socialmente muito engajadas. Annemarie Schwarzenbach foi também uma importante fotógrafa jornalística. Devido aos problemas com a droga e às relações homossexuais complicadas, acaba por ser expulsa do país, regressando de barco à Europa, em Fevereiro de 1941, por Lisboa. Aí encontra o Embaixador helvético Henri Martin, que já conhecera em Ancara e que, agora, a apoia e incita a escrever textos sobre Portugal e a importância de Lisboa para a Suíça numa Europa em guerra, sobretudo sobre atividades ligadas ao porto de Lisboa e da Cruz Vermelha Internacional. Após uma breve estada na Suíça é forçada, por motivos familiares, a sair do país, tomando um barco na capital portuguesa em direção à África, mais precisamente ao Congo. Aqui queria trabalhar para a Rádio Livre Francesa, tal como a sua amiga Erika Mann fazia em Londres para as autoridades britânicas. Mas suspeitam que ela poderia ser uma espia e recusam-lhe o trabalho. Passa uns meses no interior do Congo, antes de retomar, em Luanda, em 14 de Março de 1942, navio Quanza para Lisboa, onde fica umas semanas, continuando a escrever sobre Portugal, tanto textos informativos, como relatos pessoais sobre a sua Lisboa e os arredores por onde passeava, enquanto muitos exilados esperavam por um lugar num navio ou num dos poucos aviões para os EUA. Annemarie Schwarzenbach publicou mais de 20 artigos sobre Portugal nos dois períodos que esteve em Portugal. Os artigos não refletem uma posição crítica face ao regime então no poder, mas reflete a atitude de muitos europeus que aqui viam a única saída para fora da Europa em chamas. Para Annemarie Schwarzenbach, Portugal representava na época o único símbolo da “velha” Europa, a quem a uniam tantos laços culturais. Isto não quer dizer que ela não fosse sensível à pobreza que via nos passeios pela cidade e pelos arredores da capital. Tinha planos para se estabelecer em Lisboa como correspondente de alguns jornais suíços, de onde cobriria também a Espanha e Marrocos, uma vez que estava casada com um diplomata francês, na altura cônsul em Tetuão. Mas em 7 de Setembro de 1942 teve um acidente de bicicleta perto da sua casa de Sils-Maria, vindo a falecer meses depois.
Passagens
Portugal, EUA, Médio-Oriente, Pérsia, Suíça, Congo.
Citações
De todas as cidades que conheço, nenhuma me acolheu tão bem como Lisboa, da primeira vez que aqui vim. Esta capital de um pequeno país, sem dúvida encantador, mas manifestamente semi-esquecido pela história, estava antes tão fora das nossas rotas habituais que nunca me dera ao trabalho de a visitar pelos seus próprios atractivos. […] Como me senti feliz, ao percorrer, pela primeira vez, as suas ruelas estreitas e íngremes, ao parar diante de uma fonte, ao distinguir rostos conhecidos num café situado numa praça barulhenta e animada, ao comprar um jornal suíço a um miúdo de cabelo crespo, já a noite ia alta, e, na manhã seguinte, ao avistar da janela de um palácio implantado na exuberância dos trópicos, no verde esmeralda e nas primeiras flores do ano, a superfície cintilante do porto, coberta de navios, galhardetes e chaminés!
“Rückehr nach Lissabon”, National-Zeitung, 4.6.1941, trad. port.: “Regresso à Europa”, trad. de Maria Antónia Amarante, in Annemarie Schwarzenbach em Portugal (1941, 1942), Cadernos do Cieg nº 11, Cieg/Minerva, Coimbra, pp. 58 e 59.
O regresso à Europa é uma experiência sentimental, cuja intensidade, de uma alegria dolorosa, eu voltei a sentir quando, faz agora alguns dias, aportei a Lisboa, a bordo do Quanza, vapor português que faz viagens para África. Não me têm faltado oportunidades para me habituar a esta sensação, na medida em que, desde o início da guerra, já regressei duas vezes à Europa: a primeira vez, vinda da Índia e a segunda, há um ano atrás, da América, ou seja numa altura em que os barcos que se dirigiam para a Europa, vinham praticamente vazios, mas, em contrapartida, os que zarpavam de Lisboa rumo às duas Américas, abarrotavam de refugiados e emigrantes de todas as nações, raças e classes que viravam as costas à Europa ameaçada e esgotada, em busca da paz, da segurança e da prosperidade lá longe nos novos continentes do Oeste. […] Logo depois do desembarque em Lisboa, apanhei um comboio suburbano para o Estoril e uma hora mais tarde, partindo do campo de golfe, percorria a mata de pinheiros, os cumes dos montes varridos pelos ventos, os campos avermelhados e os prados húmidos, cheirosos. Poderia ter-me perguntado se me encontrava nos arquipélagos da Suécia, nas matas das Baleares, nas praias da França meridional, nas charnecas vizinhas contíguas ao mar do Norte. O que me rodeava era o ar leve, o vento agreste, as cores suaves, a proximidade doce e a vastidão nostálgica e azul desses dias que prenunciavam a Primavera europeia.
“Liebe zu Europa”, Thurgauer Zeitung, 6.6.1942, trad port.: “Amor à Europa”, trad. de Maria Antónia Amarante, in Annemarie Schwarzenbach em Portugal (1941, 1942), Cadernos do Cieg nº 11, Cieg/Minerva, Coimbra, pp. 76, 78 e 79.
Bibliografia Ativa Selecionada
- Insel Europa. Reportagen und Feuilletons 1930-1942 (2005), ed. Roger Perret, Basileia, Lenos.
- Annemarie Schwarzenbach em Portugal (1941, 1942) (2004), Textos de Annemarie Schwarzenbach sobre Portugal, edição e introdução de Gonçalo Vilas-Boas (“Um olhar suíço sobre Portugal. Annemarie Schwarzenbach em Lisboa em 1941 e 1942”), Coimbra, CIEG/Minerva.
- Artigos de Annemarie Schwarzenbach relacionados com Portugal, publicados entre 1941 e 1943 e existentes no Arquivo Literário Suíço, na versão publicada nos jornais e/ou os respectivos manuscritos
(*traduzidos na edição supra) - «Passagiere nach Lissabon», Die Weltwoche (7.3.1941) [Passageiros para Lisboa]
- «Das Rote Kreuz in Lissabon», Neue Zürcher Zeitung (18.3.1941) [A Cruz Vermelha em Lisboa]
- «Lissabon – neues Leben in einer alten Stadt»*, National-Zeitung (19.3.1941) [Lisboa. Vida nova numa cidade antiga]
- «Heimfahrt aus Amerika», Luzerner Tagblatt (22.3.1941) [Regresso da América]
- «Die Versorgung der Schweiz über Portugal»*, Neue Zürcher Zeitung (23.3.1941) [O abastecimento da Suíça através de Portugal]
- «Die “Schweizer Flotte” im Hafen von Lissabon», Schweizer Illustrierte (26.3.1941) [A « frota suíça » no porto de Lisboa]
- «Offener Himmel über Lissabon…»*, Thurgauer Zeitung (10.4.1941) [Céu aberto sobre Lisboa …]
- «Das Rote Kreuz in Lissabon», Neue Zürcher Zeitung (27.4.1941) [A Cruz Vermelha em Lisboa]
- «Die Weihe der Schiffe»*, Die Weltwoche (16.5.1941) [A benção dos barcos]
- «Rückkehr nach Lissabon»*, National-Zeitung (4.6.1941) [Regresso a Lisboa]
- «Eine Atempause in Estoril»*, Die Weltwoche (6.6.1941) [Pausa no Estoril para recobrar alento]
- «Zwischen den Kontinenten»*, Die Weltwoche (11.7.1941) [Entre os continentes]
- «Funchal», National-Zeitung (10.9.1941)
- «Äquator», Die Weltwoche (19.9.1941) [Equador]
- «Schiffs-Tagebuch I, II, III, IV», National-Zeitung (6, 7, 14 e 17.10.1941) [Diário de bordo]
- «Wiedersehen mit Portugal»*, Die Weltwoche (15.5.1942) [Portugal revisitado]
- «Internationales Rotes Kreuz. Die Aufgaben in Lissabon»*, Neue Zürcher Zeitung (24.5.1942) [Cruz Vermelha Internacional. As tarefas em Lisboa]
- «Ein Schiff aus Afrika», National-Zeitung (26.5.1942) [Um barco vindo de África]
- «Spaziergang in Portugal»*, National-Zeitung (1.6.1942) [Passeio em Portugal]
- «Liebe zu Europa»*, Thurgauer Zeitung (6.6.1942) [Amor à Europa]
- «Diplomatenaustausch in Lissabon»*, Neue Zürcher Zeitung (18.6.1942) [Intercâmbio de diplomatas em Lisboa]
- «Der Transport zwischen Lissabon und der Schweiz»*, Thurgauer Zeitung (30.6.1942) [O transporte entre Lisboa e a Suíça]
- «Sonniges, herbes Portugal»*, Thurgauer Zeitung (11.7.1942) [Soalheiro e agreste Portugal]
- «Nationale Jugend in Portugal», Schweizer Illustrierte Zeitung (12.7.1942) [Juventude Nacional em Portugal]
- «Kleine Weltreise unter der Flagge Portugals. San Thomé und Madeira, zwei Portugiesische Atlantik-Inseln»*, Luzerner Tagblatt ( 8.8.1942) [Pequena viagem à volta do mundo sob o pavilhão de Portugal]
- «Die Jugend Portugals», Die Tat (14.8.1942) [A juventude de Portugal]
- «Zwischen Afrika und Europa», Die Tat (12.2.1943) [Entre a África e a Europa]
- Outros artigos manuscritos existentes no Arquivo Literário Suíço
- «Junge Portugiesische Malerei» (30.4.1941) [A nova pintura portuguesa]
- «Nach der Ausstellung Edmond Bille in Portugal» (?.5.1941) [Depois da exposição de Edmond Bille em Portugal]
- «San Thomé, die Insel am Äquator» (31.5.1941) [São Tomé, a ilha no Equador]
- «Das Beispiel der weiblichen Jugend in Portugal» (4.1942) [O exemplo da juventude feminina em Portugal]
- «Junge Portugiesinnen in Uniform» (12.5.1942) [Jovens portuguesas em uniforme]
- «Flug nach Marokko» (29.5.1942) [Voo para Marrocos]
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Bibliografia Crítica Selecionada
DECOCK Sofie / Uta Schaffers (2008), inside out. Textorientierte Erkundungen des Werks von Annemarie Schwarzenbach. Aisthesis Verlag Bielefeld.
GEORGIADOU, Areti (1996), Das Leben zerfetzt sich mir in tausend Stücke. Annemarie Schwarzenbach. Campus Verlag.
LINSMAYER, Charles (2008), Annemarie Schwarzenbach. Ein Kapitel tragische Schweizer Literaturgeschichte. Biographie. Mit vielen zum Teil erstmals publizierten Fotos. Huber, Frauenfeld.
MIERMONT, Dominique Laure (2005), Annemarie Schwarzenbach ou le mal de l’Europe, Paris, Payot.
SCHWARZENBACH, Alexis (2008), Auf der Schwelle des Fremden. Das Leben der Annemarie Schwarzenbach, Collection Rolf Heyne, München.
VILAS-BOAS, Gonçalo (1999), «”Offener Himmel über Lissabon” – Annemarie Schwarzenbach in Portugal (1941, 1942)», in Elvira Willems (Hg.), Annemarie Schwarzenbach. Autorin. Reisende. Fotografin, Pfaffenweiler, Centaurus, p. 169-184.
—- (2004), «”Agora o coração tem de ser forte e a criatura castigada”. Textos jornalísticos de Annemarie Schwarzenbach de 1941-1942», Cadernos de Literatura Comparada, 10/11, 12/2004, p. 97-122.
—- (2005), «”Da muss sich das Herz sammeln, das Wesen sich straffen”. Annemarie Schwarzenbachs Feuilletons 1941-1942», in Walter Fähnders/Sabine Rohlf (Hg.), Annemarie Schwarzenbach. Analysen und Erstdrucke. Mit einer Schwarzenbach-Bibliographie, Bielefeld, Aisthesis, p. 153- 167.Gonçalo Vilas-Boas