(1920-2012)
Professor, ensaísta e lusófilo francês, Robert Bréchon é reconhecidamente um dos principais especialistas estrangeiros na vida e obra de Fernando Pessoa. Contudo, o seu grande interesse pela Poesia Contemporânea conduziu-o, num primeiro momento, a desenvolver a sua investigação no âmbito do Surrealismo e de autores como Michel Leiris e Henri Michaux.
Inicialmente professor de Francês, Latim e Grego, Robert Bréchon começou a aprender o Português aquando da sua estadia no Rio de Janeiro, cidade na qual desempenhou o cargo de diretor do Liceu Francês aí existente e onde permaneceu durante três anos (Bréchon 2008b). Após deslocações profissionais por países como a Inglaterra e o Egipto, foi em 1962 que Robert Bréchon, curioso da cultura portuguesa, obteve o posto de diretor do Institut Français de Lisboa, funções às quais se acrescentavam as de conselheiro cultural da Embaixada de França, sucedendo assim a Pierre Hourcade. O autor chegou a Lisboa no Outono de 62 e aí permaneceu até 1968, altura em que foi obrigado a abandonar o cargo por imposição de novas regras no Ministério dos Negócios Estrangeiros. No entanto, não terão sido também alheios a esta substituição os contactos que Robert Bréchon manteve naquele período com membros da oposição ao Estado Novo, entre os quais se incluíam socialistas, comunistas e democratas cristãos. Todavia, o autor tentou sempre manter um equilíbrio nas suas relações com os membros associados ao poder estabelecido e os membros da oposição, podendo ser mencionada, a título de exemplo, a sua afiliação a associações literárias de orientação política diferente como o Círculo Eça de Queirós e o Grémio Literário (Bréchon 2008b).
A estadia de Robert Bréchon em Portugal constitui-se ainda como um período crucial no percurso do escritor não só pelos múltiplos contactos que estabeleceu no meio literário português, mas também pela descoberta de Fernando Pessoa. Com efeito, o escritor, já ligado pela amizade a António Ramos Rosa, conheceu por seu intermédio autores como Sophia de Mello Breyner Andresen, Herberto Helder, Vergílio Ferreira e Ruy Cinatti (Bréchon 2008b). Por outro lado, seriam Jacinto Prado Coelho e João Gaspar Simões as duas figuras da cena literária portuguesa que mais haveriam de contribuir para a sua aproximação a Fernando Pessoa, ainda que o próprio Robert Bréchon designe Armand Guibert como o seu mestre na descoberta da obra pessoana. O seu primeiro artigo sobre Fernando Pessoa viria a ser publicado em 1968, na revista Critique: «Fernando Pessoa et Ses Personnages».
Em meados dos anos 80, tendo o editor Christian Bourgois aceite a proposta do Instituto do Livro de publicar em França um conjunto representativo da obra disponível de Fernando Pessoa, Robert Bréchon foi o escolhido para assumir a direção dos trabalhos, recomendado aliás por António Alçada Baptista, então diretor daquele Instituto (Bréchon 2008b). Co-dirigidas com Eduardo Prado Coelho, Œuvres de Fernando Pessoa surgiram em nove volumes entre 1988 e 1992.
Ainda a conselho de Christian Bourgois, Robert Bréchon escreveu uma primeira biografia de Pessoa, Étrange Étranger: une biographie de Fernando Pessoa, publicada em 1996 e posteriormente traduzida para português e espanhol. Desconhecendo e existência desta obra, a editora Aden, no intuito de iniciar uma nova coleção de biografias dos grandes poetas mundiais («Le cercle des poètes disparus»), propôs ao autor a realização de uma outra biografia de Pessoa; neste sentido, Robert Bréchon escreveu Fernando Pessoa. Le voyageur immobile (2002), sendo este segundo trabalho mais breve e até menos erudito do que aquela primeira biografia.
Para além de reconhecer a influência de Pessoa nos seus escritos tanto em verso como em prosa, e muito particularmente na questão da relação com a Natureza, e a par dos estudos biográficos sobre Fernando Pessoa, Robert Bréchon produziu, desde finais dos anos 60 até ao início deste século, numerosos artigos, ensaios e prefácios sobre a obra pessoana. Em 2001, a editora Christian Bourgois, acedendo à proposta do próprio escritor, publicou uma recolha de alguns desses trabalhos sob o título L’innombrable: un tombeau pour Fernando Pessoa. Em 2008, uma nova recolha é dada à estampa pela editora Aden: Pessoa, le poète intranquille. A estas obras, há ainda que acrescentar numerosas conferências com que Robert Bréchon tem incomparavelmente contribuído para a difusão da obra pessoana em França (Bréchon 2008b).
Mas o papel deste intelectual enquanto promotor da cultura portuguesa além Pirenéus está longe de se circunscrever a Fernando Pessoa. Com efeito, paralelamente à publicação de artigos sobre autores portugueses como José Régio, Vitorino Nemésio e António Ramos Rosa, Robert Bréchon produziu seis capítulos sobre a História da Literatura Portuguesa, mais especificamente desde 1934 até ao final do século XX, completando assim o livro de Georges Le Gentil, La Littérature Portugaise. A pedido da editora Gallimard, o autor escreveu ainda o prefácio de uma nova antologia de literatura portuguesa, publicada por aquela mesma editora em 2003: Anthologie de la Poésie Portugaise Contemporaine.
As relações com Portugal, após a sua partida em 1968, têm sido regulares, não só através de visitas ao país e de publicações na revista Colóquio/Letras desde 1971 até 1994, como também pelos contactos que ainda mantém com autores como José Augusto França, Manuel Alegre, Almeida Faria, Urbano Tavares Rodrigues, e ainda António Ramos Rosa, com o qual escreveu um volume de poemas: Meditações Metapoéticas / Méditations Métapoétiques (2003). Nas palavras de Ana Paula Coutinho Mendes, trata-se de um “livro [que] representa um auge da cumplicidade discreta de dois poetas que se conhecem e se lêem há mais de quatro décadas, para além de cada um deles ter sido, ao longo desses anos, um entusiasta mediador da poesia (e da literatura em geral) da língua do outro” (Mendes 2004: 78).
Passagens
França, Portugal, Brasil, Reino Unido, Egipto, Croácia.
Citações
É através [de Fernando Pessoa] que Lisboa entra verdadeiramente na literatura universal, tornando-se uma cidade-símbolo como a Paris de Balzac ou de Baudelaire, a Praga de Kafka, a Alexandria de Cavafy, a Dublin de Joyce. (Bréchon 1996: 19)
Visitar Lisboa na peugada de Pessoa não é seguir o empregado de uma agência de turismo, mesmo que este pretenda, como no livrinho inglês, ser o próprio poeta; é deixar-se guiar por ele, como Dante por Virgílio, numa exploração em que o sonho irá constantemente misturar-se com a realidade. (ibidem: 20)
Basta dar alguns passos para chegar ao Largo de S. Carlos, muito mais pacato, ladeado a sul pelo belo edifício da Ópera. Este bairro do Chiado, que é o coração da cidade, lembra simultaneamente Saint-Germain des Prés e a rue de la Paix; aí se encontram lojas elegantes, livrarias, cafés, teatros. É frequentado ainda hoje pelos intelectuais. (ibidem: 31)
A saudade, em que Pessoa vê a essência da Weltanschauung portuguesa e galega, é mencionada desde as origens. É um sentimento complexo. A nostalgia, a recordação triste e terna que a palavra designa, tinge-se de melancolia. (ibidem: 152)
Casto (virgem mesmo, segundo se diz, até ao fim), místico, tímido e insolente, impulsivo e sonhador, [D. Sebastião] lembra um Alexandre sem o seu génio, um Hamlet sem a sua inteligência, ou um Luís da Baviera sem o seu gosto pela arte. É este jovem louco que vai selar o destino do seu país, mas também suscitar o fervor de gerações sucessivas e transformar-se no deus de uma religião baseada na saudade. (ibidem: 403)
Recordo as nossas festas os nossos repastos
Outrora na juventude da nossa amizade
Tu estavas na aurora da tua vida
Recluso em poesia e nós íamos
Ao Rossio ou para Alcântara
Partilhar com o Vergílio o pão dos sonhos
Tu comias as palavras ao falar
Eu bebia as imagens sobre a tua boca
E o vinho verde iluminava a noite
Assim nesse tempo na margem ocidental
Do mundo antigo se praticava o rito
Da partilha da palavra
Diferente era a nossa língua
Diferente a nossa memória
Mas caminhávamos num passo igual
E visávamos com o mesmo gesto
O alvo que nos afronta no fim dos tempos. (Bréchon e Rosa 2003: 51, 53)
Bibliografia Ativa Selecionada
BRÉCHON, Robert (1996), Étrange Étranger: une biographie de Fernando Pessoa; ed. ut.: Estranho Estrangeiro. Uma biografia de Fernando Pessoa, Lisboa, Quetzal Editores, 1996.
—- (2001), L’innombrable: un tombeau pour Fernando Pessoa, [Paris], Christian Bourgois Éditeur.
—- (2002), Fernando Pessoa, le voyageur immobile, s/l, Éditions Aden.
—- (2003), Échos, reflets, mirages, s/l, Éditions Aden.
—- (2008a), Pessoa, le poète intranquille, s/l, Éditions Aden.
BRÉCHON, Robert, LE GENTIL, Georges (1995), La Littérature Portugaise, Paris, Éditions Chandeigne.
BRÉCHON, Robert, ROSA, António Ramos (2003), Meditações Metapoéticas / Méditations Métapoétiques, Lisboa, Caminho.
Bibliografia Crítica Selecionada
MENDES, Ana Paula Coutinho (2004), “António Ramos Rosa e Robert Bréchon: dois poetas ao espelho de uma poesia sem fronteiras”, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor António Ferreira de Brito, Porto, FLUP: 77-93.
Pedro Gonçalves Rodrigues