(1947- )
Urs Faes nasceu em 1947 em Aarau, na Suíça. Começou por ter uma formação pedagógica, estudando depois História, Germanística, Filosofia e etnologia, terminando os estudos com uma dissertação intitulada O paganismo e as superstições dos negros sul-africanos segundo viajantes alemães no século XVII. Começou a escrever em 1970 em jornais e revistas. É sobretudo conhecido como romancista, mas também publicou poemas, contos, peças de teatro e peças radiofónicas. Vive em Zurique e em Umbria, na Itália.
Escreveu até hoje nove romances. Uma das temáticas preferidas do autor é a memória, conferindo à ação dos seus romances diferentes níveis temporais. Questiona-se sobre as razões porque tantas vidas são frustradas, o que falta para chegar a uma alegria sólida. Questiona-se sobre a linguagem como condição da felicidade: à medida que as personagens perdem a sua capacidade de falar com o(s) outro(s), perdem a capacidade de serem felizes. São olhares sobre o quotidiano suíço, levantando o véu da fachada, da normalidade. Olha para as possibilidades de vida perdidas e para tentativas de superação, onde a memória e a procura do passado têm grande importância.
No seu último romance Liebesarchiv, de 2007, Faes continua a concentrar-se nos problemas das relações humanas, bem enquadradas nos contextos do presente e do passado. Um escritor é levado a procurar as raízes do seu pai, um homem fechado e taciturno na sua memória. Por um acaso encontra a antiga amante de seu pai e posteriormente a sua filha, Vera, que lhe descreve uma imagem diferente do pai como sendo uma pessoa alegre e divertida. Desde então, é levado a revisitar tempos passados, sempre ligados a espaços diferentes, e com a imagem do pai sempre presente, desse desconhecido que está a conhecer através de outra pessoa. Nesta incursão analéptica, vai também visitar o seu próprio passado, nomeadamente numa visita a Portugal com a sua namorada, depois mulher, na segunda metade da década de 70. Voltando ao tempo presente da história, no ano de 1999, o narrador regressa a Lisboa, desta feita para participar num congresso sobre formas contemporâneas de identidades, especialmente as colectivas, no Centro Cultural de Belém (124). O espaço lisboeta de hoje torna-se num espaço de memória, quando o narrador percorre os mesmos sítios onde estivera com Therese. Os diferentes espaços, as praças e as ruas com os seus monumentos e cafés, com o pano de fundo dos 25 anos da Revolução dos Cravos, ajudam-no a recordar os dias aí passados com a namorada. O narrador projeta no que vê as suas vivências e preocupações, nomeadamente a imagem do pai sentado com os velhos no Largo do Carmo.
Essas inúmeras histórias que compõem o romance traduzem a busca interior para a compreensão do passado e a construção da identidade.
Passagens
Portugal, Alemanha, Letónia, Suíça.
Citações
Na próxima semana voarei para Lisboa, para o colóquio no Centro Cultural de Belém. […] Era a minha terceira visita a Lisboa. Fiquei na pequena pensão na Rua da Condessa, perto do Largo do Carmo; escolhi por pura nostalgia. Estive em Lisboa pela primeira vez na segunda metade da década de 70. Nem me passou pela cabeça que agora se festejava o 25º aniversário da Revolução dos Cravos. Therese tinha-me levado consigo a Lisboa, era uma estudante de arte, loira, inteligente, rebelde. […]
Voltar a esta pensão era um encontro com o que outrora fôramos, jovens e despreocupados e por vezes cheios de ideias malucas, entre Trotzki e os Rolling Stones. […]
Talvez por isso me tenha ficado na memória a canção E depois do adeus, que foi tocada na noite do 24 de Abril para dar sinal do começo da Revolução. […] As palavras de Paulo de Carvalho ligavam-se à cidade e a Therese, guardavam o perfume da sua pele. […]
Dei alguns passos nas ruínas da Igreja do Carmo, não me admiraria se Therese entrasse pelo pequeno portal e se tivesse sentado junto a mim. […] Através do portal aberto observei os velhos nos bancos do parque; estavam silenciosos, cada um por si, […] mantendo uma dignidade muda, séria, como se estivessem a cumprir uma pena. […]
Passei pelo Café da Brasileira, subi as escadas da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, lancei, da balaustrada, um olhar ao largo. Ninguém me seguia, quase que acenei pomposamente a Camões, que no seu monumento se parecia com Prometeu, preso e por isso impossibilitado de mais uma vez partir mundo fora e descobrir novas terras. […]
Porquê o cabo? O fim da Europa, algo mítico soava com o nome, o pensamento de abertura, de amplidão, mas também de abandono. Gostei do pensamento, mas também da ideia que Portugal olha para o mar e volta as costas à Europa. […]
Do mar o vento soprava mais forte, mais ruidoso, um rugir que tudo preenchia. Ao longe detectei um enorme navio, que vagarosamente arava o seu caminho pelo mar encapelado pela tempestade. […] Bati à porta de uma das casas a pedir um lugar para dormir. O camponês indicou-me o celeiro, vendeu-me pão, chouriço, uma garrafa de vinho. Sentei-me no alpendre, mastiguei e olhei para o fim da Europa. Com prazer bebi o vinho ligeiramente ácido. […] Levantei-me, fui para a frente do celeiro, o fim da Europa ainda estava escuro. Voltei a adormecer; quando acordei já o dia ia avançado. Uma luz clara mas contida sobre a terra e o mar, verbascos, troviscos. Não esqueceria os nomes. Alegrei-me pelo congresso em Belém, sabia o que tinha de dizer. (208: 215-226).
Bibliografia Ativa Selecionada
FAES, Urs (2007), Liebesarchiv, Frankfurt am Main, Suhrkamp.
Bibliografia Crítica Selecionada
HUG, Heinz (2006), “Urs Faes”, Kritisches Lexikon zur deutschsprachigen Gegenwartsliteratur, edition text & kritik, München.
Gonçalo Vilas-Boas (2011/11/14)