(1946-)
Paul Grote é um escritor alemão, especializado em romances policiais situados em diferentes zonas vinícolas do mundo. Viveu alguns anos na América do Sul, nomeadamente no Brasil. Escreveu várias reportagens para jornais alemães, focando as dificuldades sociais das populações. Desde os finais dos anos 90 começou a dedicar-se à escrita de romances policiais, centrados em zonas de produção de vinhos, dado os seus conhecimentos como enólogo. Já escreveu romances sobre zonas vinícolas na Alemanha, Áustria, Itália, França, Espanha, Roménia, entre outros. As personagens principais são sobretudo cidadãos alemães, aparecendo as diferentes figuras em mais do que um romance. Como os livros são escritos essencialmente para um público de língua alemã, Grote explica os diferentes aspectos culturais e sociais, desnecessários para os leitores das zonas respectivas, mas muito úteis para os leitores desconhecedores dessas regiões. Servem também como boas introduções aos vinhos nelas produzidos.
Por essa razão, antes de escrever, o autor tem que investigar muito. Ele próprio diz: “Quando me decido por um tema, começo a ler tudo o que encontro sobre ele. Procuro saber o que é diferente naquela zona vinícola, o que a diferencia de outra.” Para tal, viaja até à zona em questão. “Vejo o impacto que a paisagem desperta em mim, como é que são as pessoas, como se relacionam entre si. Depois começo a provar os vinhos da região, para destacar as diferenças gustativas. Procuro os principais produtores e tento perceber as pessoas que estão por detrás de cada vinho.” Por vezes, alguns produtores são mesmo nomeados, outros aparecem com nomes fictícios ou são mesmo figuras inventadas a partir das pessoas que aí foi encontrando. Refere que não pode errar nos pormenores técnicos do vinho porque é lido por muita gente na Alemanha ligado à produção e comercialização de vinhos.
Aspectos sociais e políticos das regiões escolhidas aparecem como parte importante na construção das tramas. São normalmente apresentadas diferentes perspectivas, mesmo antagónicas, veiculadas por várias figuras, para além das apresentadas pela personagem principal.
O romance Der Portwein-Erbe [O herdeiro do vinho do Porto], publicado em 2008 (em 2018 já na 9ª edição) integra-se bem na produção literária do autor. É o quinto romance da série. A acção passa-se essencialmente na zona do Douro, perto de Peso da Régua e Pinhão, mas também nas cidades do Porto e de Lisboa. O livro está cheio de expressões em português, com a respectiva tradução em alemão, como marcas de um contexto real, tais como nomes de localidades, hotéis, restaurantes realmente existentes, até um antiquário do Porto, onde compra alguns livros, nomes de vinhos e casas vinícolas durienses. O livro inicia com uma epígrafe de Fernando Pessoa.
O romance é narrado na terceira pessoa, mas o narrador segue essencialmente a perspectiva da personagem principal, Nicolas Hollmann, um jovem arquitecto a procurar singrar na vida, longe dos constrangimentos familiares e da firma de construção civil do pai, em Frankfurt/M. Essa figura volta a aparecer no romance Der kurze Traum vom Ruhm [O curto sonho da fama], passado na zona da Francónia, no estado da Baviera, na Alemanha, desta feita já casado e com filhos.
No romance Der Porto-Erbe assiste-se igualmente à história do rompimento da relação com a namorada Sylvia, que tinha um pensamento muito próximo do pai do namorado, e à criação de uma nova relação deste com a guia alemã Rita.
O tio de Nicolas, dono da Quinta do Amanhecer, é encontrado morto. O seu testamento é passado em nome do sobrinho. Quer o tio quer o sobrinho eram vistos pela família como ovelhas negras, que não se integravam no negócio da família. A herança só se pode consumar se Nicolas aceitar o legado num prazo de 30 dias. Resolve ir para o Douro, apesar de não ter nenhuns conhecimentos enológicos. A morte do tio é confirmada pelo médico Dr. Veloso, que exprime ideias colonialistas próximas do Estado Novo e que vai sendo desmascarado ao longo do romance. O capataz Gonçalves é um homem estranho, conflituoso. Os trabalhadores da quinta desaparecem, incluindo os que falavam alemão, nomeadamente Otelo, que tinha sido colega do tio Franz numa quinta no Alentejo. Nicolas tenta perceber quem são as pessoas que o rodeiam, as que estão com ele ou e as que estão contra ele, sobretudo após os três acidentes de que é alvo e que poderiam até o terem morto. O objectivo era levar Nicolas a desistir, pois assim são os trabalhadores que herdam a quinta. Ele não quer desistir e aos poucos, de modo relativamente lento, vai descobrindo pistas. Mas a maioria dos trabalhadores já nem trabalha lá, sendo substituída por pessoal contratado a uma empresa. Portanto o número de herdeiros seria reduzido e permitiria a construção de uma luxuosa estação turística, com uma vista maravilhosa sobre o Douro, e, simultaneamente, a destruição de uns largos hectares de vinha. Será importante descobrir quem está por detrás de Gonçalves.
Vão aparecendo diferentes figuras, que representam perspectivas variadas sobre Portugal e vão também trazendo novos conhecimentos sobre o vinho. O leitor e a personagem principal são informados sobre a história de Portugal, sobre o país no presente narrado, mas também sobre o Estado Novo e o 25 de Abril de 1974, factos que ainda exercem influências no tempo da narração. As cooperativas no Alentejo, as diferentes forças políticas, a actividade imobiliária internacional, os incêndios florestais, tudo isso serve para construir o contexto em que a trama se vai desenvolvendo. Também é informado sobre o que muitos alemães pensam sobre os povos do sul da Europa, revelando bastante desprezo, o que, obviamente, não é partilhado por Nicolas. Vai também aprendendo coisas sobre a vinha e o vinho, assim como alguns nomes de grandes produtores, como a Sogrape, o grupo Symington, Dirk Niepoort, a Casa Ferreirinha. Sendo o tio um grande leitor, Nicolas também vai aprendendo algumas coisas sobre a literatura portuguesa, incluindo Fernando Pessoa, que inicialmente julga tratar-se de um namorado da rapariga a quem se sente ligado. Ao mesmo tempo que se informa sobre vinhos, vai aprendendo português, condição absolutamente necessária para poder gerir a sua quinta.
O romance representa uma boa ligação entre uma história de detecção, com um papel mínimo das forças policiais, e um guia sucinto sobre os vinhos durienses e sobre a zona vinícola do Douro e sobre Portugal em geral.
Em Die Weinprobe von Lissabon [A prova de vinhos de Lisboa] há duas mortes e um acontecimento estranho durante uma prova de vinhos. Saber-se-á que esses acidentes estão ligados ao negócio de droga. Nicolas não desiste de descobrir a verdade que se esconde por detrás desses actos. Contrariamente ao romance anterior, neste cada capítulo tem como título uma das figuras principais, sendo esse capítulo determinado pela perspectiva daquela figura: Andreas Fechter, alemão, logístico, a trabalhar numa empresa alemã de transportes marítimos, aproveita a sua situação para o tráfego de droga entre o México, Luanda e a Alemanha. Para além disso tem algumas aventuras eróticas. Outra figura principal é Johanna Breitenbach, professora em questões ambientais, especializada em aplicar as novas tecnologias às quintas vinícolas; é contudo algo céptica devido às políticas desenvolvidas mais no papel do que na realidade. Outra figura central é Nicolas Hollmann, que conhecemos do romance anterior, e que é chamado por um produtor alemão de vinhos na Região Demarcada de Lisboa. Muitas outras figuras vão aparecendo à medida que têm um papel na trama, ligadas de algum modo às figuras titulares. O responsável pelas duas mortes é Fechter, ainda que use Rolando, um criminoso ao seu serviço, para o trabalho sujo. O criminoso parece ser uma figura simpática, que sabe bem adaptar-se às circunstâncias. A actualidade é marcada por referências a nomes bem conhecidos, como Trump, Angela Merkel ou Greta Thunberg, ou por referências concretas à situação política em Portugal. Também se regressa várias vezes ao Douro, fazendo pontes com o romance anterior. Hollmann nota que na região agora em apreço há pouco relacionamento entre vizinhos, situação que irá melhorar dado o interesse por parte de alguns vinicultores em aderir às novas tecnologias, que, sendo mais amigas do ambiente, proporcionam diminuição nos custos de produção.
Dois olhares alemães sobre duas zonas vinícolas portuguesas, com amplas informações sobre os vinhos nelas produzidos, aliados à estrutura mais ou menos convencional do romance criminal. Olhares que vão bem além dos de um enólogo, abrindo portas a muitos aspectos do país e do mundo.
Passagens
Portugal, Alemanha, Roménia, França, Espanha
Citações
Exmo. Senhor Hollmann,
Pedimos que entre em contacto connosco o mais depressa possível. O nosso correspondente no Porto/ Portugal comunicou-nos que o seu tio, o Sr. Friedrich Ernst Hollmann, infelizmente falecido em 18 de Abril, nomeou-o como seu herdeiro. Por favor telefone-nos para marcar uma entrevista. […] (Der Portwein-Erbe (2015, 7ª ed.): 10; minha tradução)
Tinha uns 20 anos e passou umas três semanas na quinta junto ao Rio Douro. Foi um tempo maravilhoso. Vieram-lhe à memória imagens de um rio, enquadrado por altas montanhas, uma água verde-azulada, conjuntos de casas nas encostas. Lembrava-se dum cheiro ligeiramente mofento, […], o ruído de barcos e um enorme calor. (idem: 11)
“Deixa lá”, dizia Sylvia com toda a convicção. “Portugal é membro da União Europeia, mas as pessoas são completamente diferentes de nós. E atrasados, a casa dos pobres da EU.” “Não me disseste que estiveste lá”. Sentiu vontade de a provocar. (idem: 34)
Com os passos lentos de um flaneur, Nicolas deambulava pela parte velha do Porto. “A cidade é a realização de um velho sonho da humanidade, o do labirinto. O flaneur segue esse sonho sem se dar conta dele”, escreveu Walter Benjamin, e assim se sentiu Nicolas naquela manhã – como num labirinto. Viu a cidade como amigável e aberta, também um pouco desnorteadora. (idem: 51)
Muita coisa parecia pouco moderno. Parece que era moda em Portugal construir de modo angular. Os cafés no Porto junto ao Rio Douro eram rectangulares, com quadratura metálica, com placas embutidas. Junto à margem, passou por um restaurante, comprido e rectangular como uma caixa de sapatos. Um anacronismo nesta cidade com uma paisagem mais ligada ao barroco. (idem: 125)
Ele gostava de velhos armários de cozinha, uma mesa a meio para trabalhar, cadeiras à volta e uma sala de jantar perto do frigorífico. Tinha que descobrir onde é que Friedrich tinha comprado os velhos azulejos. Deviam ter custado uma fortuna. O tal Otelo deveria sabê-lo, ele esteve na quinta desde o início. (idem: 143)
O que foi servido a Nicolas foi um queijo maior que um Camembert e duas vezes mais alto. Na parte de cima fez-se um buraco, cortado na casca grossa, lá estava uma colher de chá. Era servido com pão torrado. Era um queijo de Azeitão, como lhe disseram, cremoso por dentro, muito fresco e condimentado, acompanhado por um vinho do Porto. Uma mistura deliciosa. (idem: 144)
“[…] e por causa do Pessoa estudei Literatura. Conheces-lo?” “Não!” respondeu Nicolau irritado. “Aqui conheço pouca gente; só aqueles que têm a ver com o negócio.” Rita riu-se alto. “Não conheces Fernando Pessoa?” perguntou ela em tom de fingida repreensão. “Não o encontraste na biblioteca?” Nicolas sentiu-se inseguro. Estará ela a gozar? “Ele é um dos autores portugueses mais importante, talvez mesmo o maior poeta …” “E és namorada dele?” (idem: 210-1)
Ele olhou para o rio, lá em baixo. Era aquilo que ele viu a cintilar, na pequena parte do Douro, a sua margem? Ele viu a luz argêntea da lua reflectida nas folhas das vinhas e sentiu-se mesmo bem. Com os raios! Ele queria ficar aqui. (idem: 257)
Nicolas começou primeiro com os olhos, depois com o nariz. O tawny tinha um odor fino, o álcool não era intrusivo, fazia lembrar passas frutadas, talvez nozes, um pequeno ar de baunilha e um aroma intensivo de frutos secos. Apesar da sua idade era suave e suculento. Desde que Nicolas soube da importância da acidez para a vida dum Porto, dava muita importância ao facto, e esclareceu Happe dessas questões. (idem: 321)
Como a anfitriã demorou algum tempo, Johanna pode obsevar a quinta do Pinto sem constrangimentos. Olhou com espanto para a decoração da varanda com azulejos maravilhosos, um tipo de decoração que continuava de modo representativo e algo antiquado até ao grande fogão de sala. O candeeiro em ferro forjado e os quadros com motivos cristãos apontavam mais uma vez para a tradição. (Die Weinprobe von Lissabon (2020): 161; minha tradução)
A vista sobre os vinhedos acalmava-o. Contemplava as fileiras de vinhas. Onde crescessem vinhas, aí sentia-se em casa. A sua ambição limitava-se a que as vinhas que lhe tinham sido confiadas estavam bem. Em casa, no Douro, sabia que videiras estavam plantadas em cada uma das zonas. Reconhecia os diferentes tipos pela forma das suas folhas. (idem: 179)
Com uma cara sorridente Fechter regressou. “Estou pela terceira vez na prova de vinhos de Lisboa, acho maravilhoso todos os anos experimentar novos vinhos extraordinários. E encontram-se sempre pessoas interessantes, como tu, Johanna. E este palco.” E apontou para as fachadas neoclássicas com candeeiros de metal e janelas grandes, como se tudo tivesse sido construído de propósito depois do grande terramoto. (idem: 205)
Da estação Nicolas trouxe o jornal de Domingo e sentou-se no jardim da Quinta. As uvas Touriga Franca só estariam prontas na próxima semana, por isso todos aproveitavam o dia de descanso. […] O jornal dava pouco relevo ao que interessava a Nicolas: a Universidade do Porto tinha albergado um congresso dos que renegavam a existência de uma crise climática. Nicolas gostaria de saber quem tinha sido responsável por essa cedência de espaços, mas o jornal não nomeava ninguém. (idem: 236 e 237)
Johanna sentia-se tão seca como aquela fonte. Será que alguma vez dela brotará água de novo? Quantos anos ou décadas isso iria demorar? Será que este eucaliptal artificial pertencerá ao grupo Inapa, o maior consórcio europeu de distribuição de papel? As direcções das empresas nunca irão aceitar uma alteração florestal, qualquer coisa que não o eucalipto cresce de modo demasiado lento. (idem: 403)
Bibliografia Ativa Selecionada
GROTE, Paul (2015), Der Portwein-Erbe, München, dtv [1ª ed. 2008].
— (2020), Die Weinprobe von Lissabon, München, dtv.
Bibliografia Crítica Selecionada
CARDOSO, Margarida (2008), “Romance alemão promove o Douro”, Expresso (htts://expresso.pt/economia/romance-alemao-promove-o-douro=f474934 (acedido em 30.06.2020).
VILAS-BOAS, Gonçalo (2017), “Blicke auf Mittelosteuropa: von deutschsprachigen Reisetexten bis zum Krimi”, in Andrea Corbea Hoisie/Ion Lihaciu (Hrsg.), “Toposforschung (…) im Lichte der U-topie”, Literarische Er-örterungen in/aus MittelOsteuropa, Iaşi/Konstanz, Editura Universitaţii „Alexandru Ioan Cuza“ Iaşi/Hartung-Gorre Verlag, p. 379-390.
www.paul-grote.de
Gonçalo Vilas-Boas
(atualizado em Outubro 2020)
Como citar este verbete:
VILAS-BOAS, Gonçalo (2020), “Paulo Grote”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.