(1937-1985)
Nada fazia prever o destino internacionalista e a intensa “deslocação” que a História iria reservar ao escritor belga francófono Conrad Detrez. Nascido num ambiente católico e rural, Detrez acabaria por renegar estas origens provincianas ao cruzar-se com a História, primeiro como guerrilheiro, aquando da ditadura brasileira, e depois, como repórter em Portugal, na altura do PREC. Esta “deslocação” assumiu não só um sentido físico, mas também uma dimensão política e cultural. Com efeito, Detrez chega a Portugal em 1975, já em rutura com o pensamento esquerdista; um afastamento que deixará claro no ensaio Les noms de la tribu (1981). Paradoxalmente, é na Lisboa revolucionária, descrita de modo intimista, que prossegue a recapitulação do seu passado provinciano, designada por “autobiografia alucinada”.
Depois de ter publicado o seu primeiro romance autoficcional Ludo (1974), Conrad Detrez redige em Lisboa, Les Plumes du coq (1975), evocação ficcional da adolescência. Detrez, consciente dos perigos das paixões militantes radicais, renuncia solenemente à apologia da luta armada. Como afirmou posteriormente: “Seul alors m’est devenu acceptable le socialisme démocratique”.
Não admira que a descrição que dá da realidade do Portugal revolucionário soasse demasiado prudente no Norte da Europa, como transparece no seu ensaio póstumo, La Mélancolie du voyeur (1986). Nesse ensaio, Detrez põe, antes, a nu o desejo de comungar da mitologia coletiva lusitana feita de “saudade”, partidas e regressos, e que a Revolução dos Cravos e a descolonização tornaram ainda mais evidente. Confessa a sua adesão ao sentir português: “La saudade, je la possède. Lisbonne me l’a donnée. Un pan de ma forteresse”. Mais tarde, dirá: “La saudade m’envahit”, antes de afirmar a sua plena apropriação afetiva da língua portuguesa; mais “língua adoptiva” do que “idioma adoptado”.
Detrez chega a confessar a inveja que sente de um amigo, Chico, português “retornado” da Índia, já disposto a fazer-se de novo ao mar, rumo a um futuro incerto. De certo modo, o “exílio” lusitano de Conrad Detrez, natural da amnésica e asséptica Bélgica, proporciona-lhe a oportunidade de reivindicar uma herança histórica por empréstimo: “Henri, prince des marins, héros de mon pote, je me rapproche. Tes nuages sont les miens: ton océan, j’y plonge. Tes caravelles, je veux y remonter”.
De igual modo, Lisboa, ex-capital imperial, e agora sede de todos os tumultos do PREC, é adoptada como sua cidade simbólica e afetiva: “D’où le nom: Olissipone, tous ces passages, ces abordages, ces voyages… Des départs sans retour également. Ville de conquérants, de découvreurs, marins, aventuriers, l’émigration qui continue: un patrimoine vivace, unique, omniprésent : la saudade”.
Ainda em La mélancolie du voyeur, Detrez confessa ser esse sentimento novo, “a saudade”, o que mais lhe atrai na realidade e na alma portuguesas, e aposta na sua sobrevivência para além do processo revolucionário em curso: “vague à l’âme, délices er pleurs en dedans. Tout cela (Dieu merci) resiste aux coups d’États (…)”. Assim, o teatro revolucionário luso surge durante essas “deux années d’incertitude” como uma farsa em que entram marionetes manipuladas: Gonçalves, Soares, Otelo, Cunhal, etc. O destino internacionalista de Conrad Detrez haveria de conhecer mais um episódio significativo com a sua naturalização francesa e a sua aproximação ao governo socialista, na sequência da vitória de Mitterrand. Seria nomeado adido cultural na Nicarágua sandinista, onde redige La Ceinture de feu (1984).
Passagens
Portugal, Bélgica, Brasil, Nicarágua.
Citações
Je suis né en 1937 au pays de Liège. Une deuxième vie a surgi et a bouleversé la première, en 1963, à Rio Janeiro. Dans le premier temps, je fus villageois, de race wallonne, de religion catholique et de langue française. Dans le second, je devins banlieusard, d’appartenance carioque et de langue portugaise. (Les Noms de la tribu, p. 36).
D’où le nom: Olissipone, tous ces passages, ces abordages, ces voyages… Des départs sans retour également. Ville de conquérants, de découvreurs, marins, aventuriers, l’émigration qui continue: un patrimoine vivace, unique, omniprésent : la saudade. (La Mélancolie du Voyeur, p. 119)
Bibliografia Ativa Selecionada
DETREZ, Conrad (1970), Pour la libération du Brésil, Paris, Seuil.
—- (1972), Les Mouvements révolutionnaires en Amérique Latine, Paris, Vie Ouvrière.
—- (1974), Ludo, Paris, Calmann-Lévy.
—- (1975), Les Plumes du coq (1975), Paris, Calmann-Lévy.
—- (1978), L’Herbe à brûler, Paris, Calmann-Lévy.
—- (1980), La Lutte finale, Paris, Balland.
—- (1980), Le Dragueur de Dieu, Paris, Calmann-Lévy.
—- (1981), Les Noms de la tribu, Paris, Seuil.
—- (1982), La Guerre blanche, Paris, Calmann-Lévy.
—- (1984), La Ceinture de feu, Paris, Gallimard.
—- (1986), La Mélancolie du voyeur, Paris, Denoël.
Bibliografia Crítica Selecionada
ALMEIDA, José Domingues de (2008), “Conrad Detrez : oscillation entre l’histoire et le mythe, comme ‘lutte finale’”. Analyse et enseignement des littératures francophones : tentatives, réticences, responsabilités (Marc Quaghebeur dir.), Bruxelles, AML / P.I.E Peter Lang, pp. 201–217.
—- (2004), Auteurs inavoués, Belges inavouables. La fiction, l’autofiction et la fiction dans l’œuvre romanesque de Conrad Detrez, Eugène savitzakaya et Jean-Claude Pirotte. Une triple mitoyenneté, thèse de doctorat inédite, Porto, edição do autor.
DELAUNOIS, Alain (1985), “Racines et rhizomes”, La Revue Nouvelle, août.
MUNO, Jean (1978),“L’homme en exil. Mertens-Detrez-Modiano”, Revue Générale, nº 11, novembre.
OLIVIERI-GODET, Rita (1996), “Conrad Detrez : genèse d’une écriture”, Textyles, nº 13, Lettres du jour (I).
PANIER, Christian (1981), “Du Brésil à Paris et détours : entretien avec Conrad Detrez”, Revue Nouvelle, LXXIV, décembre.
José Domingues de Almeida