Pimenta, Alberto

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Pimenta, Alberto

(1937-)

Alberto Pimenta nasceu a 26 de dezembro de 1937, no Porto, cidade onde permaneceu até aos 16 anos, com uma breve interrupção de cerca de um ano, período em que se mudou para Lisboa. A deslocação, ainda que em espaço nacional, revelou-se, desde cedo, determinante. Quando questionado por José Mário Silva, numa entrevista concedida ao DNA, acerca da importância dos anos em que estudara Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Pimenta respondeu:

Foi, sem dúvida [um corte importante]. A muitos níveis. Era outro ambiente humano, as duas cidades são muito diferentes. Passei a ter outro círculo de amigos, passei a ter outro tipo de interesses. Em Coimbra, por exemplo, comecei a fazer teatro. Houve de facto alterações bastante importantes. Não me parece que se possa impunemente mudar assim de um lugar para o outro, sobretudo quando se está em formação, sem que isso venha a mexer com as estruturas do indivíduo. (PIMENTA 2000: s.p.)

Seria também durante este período que Pimenta começaria a trabalhar num primeiro livro que, embora nunca tenha chegado a ser publicado, assumiu um papel importante no processo de criação de O Labirintodonte (1970). Segundo o poeta, o manuscrito desses primeiros poemas, que continham uma forte influência clássica e pagã, alicerçou o processo de auto-ironia que, na verdade, perpassa toda a sua prática poética: «Suponho que tenho ainda um manuscrito de um livro de poesia, que não chegou a ser publicado, mas que serviu para escrever a primeira obra. Isso porque esse primeiro livro é já uma ironização do tal que não foi publicado. É já uma forma de auto-ironia» (ibidem).

Após terminar o curso em Coimbra, Alberto Pimenta foi convidado a exercer funções enquanto assistente. Contudo, a hipótese de preencher uma vaga como leitor na Universidade de Heidelberg representou uma oportunidade academicamente enriquecedora, motivo que o levaria a emigrar para a Alemanha, em 1960. De facto, Pimenta chegaria a afirmar que a principal razão pela qual abandonou o país não se prendeu, num momento inicial, com uma necessidade de fuga ao ambiente de censura e opressão que caracterizou a ditadura do Estado Novo. Porém, se é verdade que o poeta partiu com um plano de trabalhos convencional, no qual se previa um regresso ao fim de quatro anos, o certo é que a sua oposição ao regime fascista levaria o Estado português a demiti-lo em 1963, com o objetivo de forçar o cumprimento do serviço militar. Perante este contexto, foi então contratado pela própria Universidade de Heidelberg, regressando a Portugal apenas em 1977:

Eu fui para a Alemanha tinha vinte e três anos, vim da Alemanha no ano em que fiz quarenta, é a parte principal de uma vida, entre os vinte e três e os quarenta. Passei na Alemanha a parte principal da minha vida, é natural que tenha relações de língua, de hábitos, de costumes, muito fortes. Quando voltei a Portugal não foi fácil, tanto mais que eu vinha com uma ilusão muito grande, a seguir ao 25 de Abril, e não contava vir encontrar aquela balbúrdia; e depois disso encontrar outra vez o que fazia parte da minha adolescência, esta sórdida monotonia portuguesa em tudo, desde a política até ao dia-a-dia, é uma monotonia, uma falta de força de viver e de energia. Neste país a falta de energia… (Pimenta 2017: s.p.)

Com efeito, vários são os momentos em que o poeta reitera a importância dos anos em que viveu afastado da realidade portuguesa. Trata-se de um período de intensa atividade criativa, ao qual corresponde não apenas a publicação de O Labirintodonte (1970), mas também a escrita de Os Entes e os Contraentes (1971), Corpos Estranhos (1973) e Ascensão de Dez Gostos à Boca (1977). Terá sido também na Alemanha que Pimenta teve a ideia que daria origem a Homo Sapiens, happening no qual esteve exposto numa jaula do Palácio dos Chimpanzés do Jardim Zoológico de Lisboa, a 31 de julho de 1977: «Eu tive essa ideia já na Alemanha, muito tempo antes. Mas nem sequer pensei em fazê-la, porque passaria a ter, imediatamente, uma outra conotação. Eu seria logo o estrangeiro, o imigrante. E isso não me interessava» (PIMENTA 2000: s.p.).

O regresso do poeta a Portugal dar-se-ia após com um convite para lecionar, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, as unidades curriculares de Estética do Texto e Sociologia Aplicada ao Texto. Contudo, Pimenta nunca chegaria a dar aulas nesta instituição, consequência da polémica em torno de Homo Sapiens:

Entretanto houve uma carta da Faculdade ao Ministério pedindo a anulação do contrato, invocando que as duas cadeiras já não faziam parte do currículo. Sei que foi por causa do Homo Sapiens que o fizeram, uma pessoa que se metia numa jaula não podia ir dar aulas numa faculdade tão séria e distinta. E quis o destino que um mês depois tivesse saído o Discurso sobre o filho da puta. (PIMENTA 2013a: 7)

Ora, o Discurso sobre o filho da puta representa um dos exemplos mais evidentes da internacionalização da obra do poeta, tendo sido traduzido para italiano (1980), espanhol (1990) e francês (1996). Neste sentido, importa também salientar o caso de O Silêncio dos Poetas (1987), publicado originalmente em italiano (Il Silenzio dei Poeti, Milão, 1978), na sequência de uma conferência realizada em Roma, em abril de 1975, e da reflexão que se desenvolveu em diálogo com Susana Reisz de Rivarola e José Luis Rivarola. No prólogo à segunda edição portuguesa (Cotovia, 2003), o poeta refere também a contribuição de Luciana Stegagno Picchio, prefaciadora da edição italiana. Poder-se-á destacar, ainda, as publicações In Modo Di-verso (Salerno, 1983), Adan (Espanha, 1984) e Verdichtungen (Viena, 1997), bem como as performances Vier Elemente Poesie (Nuremberg, 1989) e Arti-colazione (Milão, 1989).

Por último, acresce mencionar que são inúmeras as referências e os diálogos criativos que podemos encontrar na obra de Pimenta. Tal como refere, aliás, Maria Leonor Figueiredo, «as referências às mitologias grega e romana (mas também finlandesa e alemã) são constantes e sintoma de que Alberto Pimenta nunca deixou de ser um poeta da Europa, no que toca às referências interculturais que povoam o universo da sua escrita» (FIGUEIREDO 2018: s.p.). Se Metamorfoses do Vídeo (1986), Imitação de Ovídio e “Homíliada Joyce”, presente na obra coletiva Joyciana (1982), constituem exemplos claros, também nas obras de pendor elegíaco – Marthyia de Abdel Hamid Segundo Alberto Pimenta (2005) e Indulgência Plenária (2007) – se verifica a presença de referências que alicerçam uma crítica direcionada à crescente desumanização no mundo contemporâneo. De resto, o estatuto vigilante que caracteriza este fazer poético nunca deixou passar impunemente as consequências das políticas europeias e mundiais, sendo Ainda há muito para fazer (1998), Ode Pós-Moderna (2000) e Nove fabulo, o mea vox / De novo falo, a meia voz (2016) apenas alguns dos vários títulos que poderíamos enunciar.

Em 2013, Pimenta afirmou: «Tenho em mim esta belíssima natureza de quase só estar absorvido pelo presente» (2013b). Curioso não deixará de ser o facto de esse posicionamento dar lugar a uma escrita que possibilita inúmeras travessias entre passado, presente e futuro. Ao promover uma visão crítica e criativa da tradição, a obra de Pimenta oferece-nos, simultaneamente, um questionamento antecipador da violência e do medo que se têm vindo a reificar na era globalizada.

 

Passagens

Portugal, Alemanha, Itália, França, Suíça

 

Citações

Nasci há quarenta e dois anos. Como não existe o direito explícito ao analfabetismo, que eu acho que seria um direito do homem como outro natural, fui para a escola, ensinaram-me uma data de coisas. Começaram-me a ensinar, nessa altura, muito cedo, e durante cerca de quinze, dezasseis, dezassete anos, ensinaram-me muitas formas de comportamento e muitas coisas acerca da vida, que me foram complicando cada vez mais a vida, dificultando-me. Foram-me afastando dela. Viajei bastante. Viajei, estive em África, estive em vários países da Europa, principalmente na Alemanha, onde passei um tempão. Dezasseis anos, numa idade em que isso é importante, quase metade da vida. E a partir de uma certa altura, nesse país onde recomecei a aprender outra data de coisas, como se fosse outro bebé e tivesse de recomeçar pela escola e por tudo isso… A partir de uma certa altura decidi começar a desaprender essas coisas todas que me ensinaram. Naturalmente comecei pelas últimas que são as mais fáceis e estou em pleno processo de desaprendizagem e espero, tendo tempo para isso, levá-lo a bom termo durante a minha vida. (PIMENTA 1980: 0min55seg)
Ao concluir um curso de Línguas e Literaturas Germânicas, a oportunidade de preencher um lugar de leitor na Inglaterra, ou na Alemanha, funcionava como o melhor estágio possível. Eu acabei o curso e fui convidado para assistente. Quando surgiu a vaga para leitor na Alemanha, os professores acharam que era uma oportunidade excelente e eu fui. Com um plano de trabalho, uma expectativa de regresso, tudo muito ortodoxo. (PIMENTA 2000: s.p.)

 

O terceiro estudo (O silêncio dos poetas) foi publicado pela primeira vez em italiano: Il silenzio dei poeti (Milão 1978). A versão aqui publicada apresenta em relação àquela algumas modificações. Fruto de uma reflexão que se desenvolveu em diálogo com colegas e amigos, sobretudo com Susana Reisz de Rivarola e José Luis Rivarola, o escrito italiano teve a sua origem no texto de uma conferência realizada em Roma em Abril de 1975. Luciana Stegagno Picchio, que escreveu a introdução à edição italiana, contribuiu também em importante medida para a sua forma definitiva. (PIMENTA 2003: 13)

 

Penso na Alemanha como se tivesse sido uma coisa sonhada, tal como os meus primeiros 16 anos no Porto. Tenho em mim esta belíssima natureza de quase só estar absorvido pelo presente. Desde há algum tempo, o presente começa a espraiar-se um pouco. Imagino que as árvores devem sentir o mesmo, nas grandes transições entre o Outono e o Inverno. Fora disso, estão como estão. (PIMENTA 2013b: 10)

 

Portanto, Portugal ou Alemanha? Olhem, a minha maneira de ser foi sempre, e é, viver muito no presente, sem me preocupar muito nem com o passado nem com o futuro, sou assim, e portanto eu vivi na Alemanha muito bem. Vivi muito bem, mas havia uma inquietação qualquer, que eu não sei descrever. Talvez nós não possamos esquecer totalmente, embora… Eu ensinava português e literatura portuguesa, em casa falava português, não falava alemão. Na Universidade, falava italiano com o meu colega de gabinete, que era italiano, porque ele não queria falar alemão. E eu fui muitas vezes a Itália. Quando estava na Alemanha, não podia vir a Portugal, por razões de incumprimento do serviço militar e para o fim fiquei sem passaporte, mesmo. E foi assim um bocadinho… Eu fiz uma festa quando fiquei sem passaporte (estou livre! estou livre!), mas de facto a coisa começa depois a pesar, porque sim… As saídas todas para a França e para a Itália acabaram, sem passaporte não davam.
No entanto, de ambos os países eu tenho lembranças e impressões boas e más, nenhum deles é só mau ou só bom. O espanto na Alemanha é o teatro, o teatro alemão é uma coisa de tirar a respiração, nos grandes teatros. Não na cidade onde eu estive, que foi a única cidade que não foi bombardeada, porque os americanos tencionavam fazer lá já o quartel-general. A dez quilómetros da minha cidade, havia uma cidade industrial, que foi muito afectada pela guerra, mas já estava construído um grande teatro, com a casa grande e a casa pequena. E de vez em quando eles abriam o fundo e ficavam com um palco com 30 metros. Incrível! (PIMENTA 2017: s.p.)

 

 

Bibliografia Ativa Selecionada

PIMENTA, Alberto (1970), O Labirintodonte, Coimbra, Edição de Autor.
— (1971), Os Entes e os Contraentes, Coimbra, Edição de Autor.
— (1973), Corpos Estranhos, Coimbra, Edição de Autor.
— (1977), Ascensão de dez Gostos à Boca, Coimbra, Atlântida Editora.
— (1977a), Homo Sapiens, Lisboa, &etc
— (1980), “Entrevista concedida a Aníbal Cabrita e Jorge Fallorca”, in Café Concerto. <http://cafe–concerto.podomatic.com/entry/2010-11-06T12_58_29-07_00>
— (1986), Metamorfoses do Vídeo. Lisboa: José Ribeiro Editor.
— (2000), “Entrevista concedida a José Mário Silva”, in DNA: Suplemento do Jornal de Notícias. <http://ofuncionariocansado.blogspot.pt/2010/07/alberto-pimenta-entrevista-ao-dna-em.html>
— (2003), O Silêncio dos Poetas, precedido de Reflexões sobre a Função da Arte Literária e de A Dimensão Poética das Línguas, Lisboa, Cotovia.
— (2005), Marthyia de Abdel Hamid Segundo Alberto Pimenta, Lisboa, &etc.
— (2006), Imitação de Ovídio, Lisboa, &etc.
— (2007), Indulgência Plenária, Lisboa, &etc.
— (2013a), “Alberto Pimenta: Desobediência Poética” [entrevistado por Maria Leonor Nunes], in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 20 de março de 2013. 1-11. <http://www.clipquick.com/Files/Imprensa/2013/03-20/0/5_2017183_8161F0594186FE429463B2D4BDE21DE6.pdf>
— (2013b), “Entrevista concedida a Jacinto Silva Duro”, in Jornal de Leiria, 28 de fevereiro de 2013. 8-10. <http://bocaaudiolivros.blogspot.com/2013/03/hoje-nao-nos-chamam-escravos-mas-temos.html>
— (2016), Nove fabulo, o mea vox / De novo falo, a meia voz, Lisboa, Pianola
— (2017), “Entrevista a Alberto Pimenta”, in Jogos Florais. <https://www.jogosflorais.com/entrevista/2018/1/26/entrevista-a-alberto-pimenta>

 

Bibliografia Crítica Selecionada

FIGUEIREDO, Leonor (2018), “Alberto Pimenta”, in A Europa face a Europa: poetas escrevem a Europa. <http://aeuropafaceaeuropa.ilcml.com/pt/verbetes/alberto-pimenta/>

 

 

Inês Pereira Cardoso

 

Como citar este verbete:
CARDOSO, Inês Pereira (2018), “Alberto Pimenta”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.

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