(1944)
Louis Gauthier nasceu em Montréal e licenciou-se em Filosofia na mesma cidade. Inicialmente trabalha como redator, mas vai, desde cedo, dedicar-se, paralelamente, à atividade de tradução. Publica o seu primeiro romance, Anna, em 1966.
Apesar de ter publicado entretanto mais alguns romances, será a sua “trilogia de viagens” que lhe virá a dar um maior reconhecimento. Nessa trilogia, composta pelas obras Voyage en Irlande avec un parapluie (1984), Le pont de Londres (1988) e Voyage au Portugal avec un Allemand (2002), descreve-se o percurso da viagem que Gauthier se propõe empreender até à Índia. Os três volumes foram, em 2005, reunidos num só, publicado com o título Voyage en Inde avec un grand détour.
Com Voyage au Portugal avec un Allemand, Gauthier vence o Grand prix du livre de Montréal e o Prix Littéraire des Bouquinistes du Saint-Laurent, ambos em 2002.
Esta obra inicia-se com o narrador a bordo de um comboio, em França, viajando em direção à fronteira espanhola, por Bayonne. Enquanto o comboio atravessa Espanha, deparamo-nos pela primeira vez com a angústia de quem nos conta a história – angústia que está “toujours là, elle dormait au fond de moi” (Voyage au Portugal avec un Allemand, p. 53), e que surgirá frequentemente ao longo do livro. Pouco depois de chegar a Lisboa, o narrador trava conhecimento com Frantz, um alemão que está de momento instalado em Portugal e que fala francês e português. Em todo o relato, está omnipresente Angèle – antiga amante ou companheira do narrador – e, por vezes, fica-se com a sensação de que a própria viagem só foi empreendida pelo desejo de fugir a algo com ela relacionado. Mais tarde, e depois de algumas deambulações pela cidade por parte dos dois homens, Frantz parte para Beja; por acaso, quando o autor textual empreende a viagem para Lagos, ambos voltam a encontrar-se (Frantz procura ali trabalho), antes da partida do narrador para Tânger, via Málaga e Torremolinos.
Ao longo do livro, oscilamos entre a angústia de imensos momentos em que o narrador parece questionar o seu viajar e a convicção de que algo o espera no destino, algo que lhe proporcionará uma qualquer mudança interior. Contudo, fica-se, durante a maior parte do tempo, com o sentimento de que possivelmente o próprio autor textual já não tem a certeza se essa mudança será possível.
Por vezes, presenciamos, no relato, um deambular em que a viagem parece mais interior do que exterior. Ao longo das ruas de Lisboa, essa deambulação transforma-se numa viagem às recordações de Angèle – e diríamos que o viajar de Gauthier se torna ainda mais introspetivo quando se trata da memória.
Aliás, e no que à própria “viagem com um alemão” diz respeito, esta não passa, segundo o narrador, de um encontro casual de dois destinos separados, sem qualquer possibilidade de junção consciente: “je n’ai jamais considéré que nous voyagions ensemble. Simplement, que nos itinéraires coïncidaient.” (idem, p. 169)
Neste quadro, a imagem de Portugal que nos é apresentada pelo narrador encontra-se marcada pela transitoriedade: apenas os contornos são definidos, pouco do interior é realmente explorado; é uma imagem marcada, também, por essa sensação de que há uma fuga para algum lugar – mesmo que indefinido, e mesmo que não se saiba se, depois de se lá chegar, a fugacidade daria lugar à permanência.
Passagens
Portugal, Espanha, Irlanda, Inglaterra.
Citações
Je ne sais pas où je vais, je ne suis utile à personne. Je n’ai aucune obligation, personne ne m’attend nulle part et je pourrais aussi bien rester là toute là journée, ça ne changerait rien. Ça serait seulement plus pénible. (Voyage au Portugal avec un Allemand, p. 20)
Écrire quoi? Le paysage n’a plus d’importance, le monde extérieur n’a plus d’importance, seule me préoccupe l’observation attentive du cratère qui s’ouvre en moi et dont la vue m’hypnotise. Pris de vertige au bord de moi-même, j’observe sans comprendre ce grand trou qui n’est rien, pas même un trou, simplement l’absence de moi, l’absence de moi avec rien d’autre à la place. (idem, p. 49)
Puis il me demande ce que je fais à Lisbonne. Je déballe mon histoire à toute vitesse: je suis écrivain, j’arrive d’Irlande, je me dirige vers l’Inde, je ne voulais pas prendre l’avion pour bien sentir la distance qui sépare l’Occident de l’Orient. Il n’a pas l’air trop surpris.- Ah tiens, dit-il. Moi aussi, je fais une sorte de pèlerinage. (idem, p. 65)
On décrit les Portugais comme des gens graves, taciturnes, fiers, marqués par une vie rude, mais accueillants, simples et empressés. On ne dit rien des Portugaises. (idem, p. 74)
Chaque jour je marche dans les rues de Lisbonne, mais c’est comme si ce n’était pas moi qui marchais dans les rues de Lisbonne. Je marche. Je n’ai pas d’autre occupation que de marcher. Je marche et je n’avance pas. Que dire de celui qui marche toute la journée? (idem, p. 83)
Je reste au lit, à rêvasser, à penser, à ressasser mes vieux souvenirs. J’aurais aimé être dehors, dans le monde extérieur, avoir un projet clair, des objectifs précis, un but. Mais je suis un écrivain, un écrivain qui n’écrit pas. Peut-être même pas un écrivain, peut-être un pèlerin, un pauvre pécheur en route vers un lieu de pèlerinage non identifié, un pèlerin d’aucune religion, en route vers lui-même, sachant pourtant qu’il est toujours là. Que faire de cette journée? C’est la question que je me pose chaque matin. (idem, p. 107)
Oui, c’est vraiment un pèlerinage que je fais: je n’arrête pas de marcher, de souffrir et d’espérer. Je porte mon sac sur l’épaule comme un croix. Je continue à mettre des obstacles sur mon chemin pour que ma vie ressemble de plus en plus à un martyre. J’aurais dû mettre des cailloux dans mes souliers. (idem, p. 145)
Bibliografia Ativa Selecionada
GAUTHIER, Louis (1984), Voyage en Irlande avec un parapluie, Montréal, Fides.
—- (1988), Le pont de Londres, Montréal, Fides.
—- (2002), Voyage au Portugal avec un Allemand, Montréal, Fides.
Eduardo Oliveira Correia