Gomes, Manuel Teixeira

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Gomes, Manuel Teixeira

(1862-1941)

Referência importante na vida cultural, política e social portuguesas do fim do século XIX e primeira metade do século XX, Manuel Teixeira Gomes afirmou-se como escritor e político. Nasceu a 27 de Maio de 1860, em Portimão. Era filho de José Libânio Gomes, proprietário rico, exportador de frutos secos e cônsul da Bélgica no Algarve, e de Maria da Glória Teixeira Gomes.

Por razões familiares, profissionais e pessoais, Teixeira Gomes visitou vários países. Inicialmente, viveu a sua infância em Portimão, onde frequentou a escola primária no Colégio de S. Luís Gongaza. Aos dez anos deslocou-se para Coimbra para estudar no Liceu do Seminário Diocesano, onde travou conhecimento com José Relvas (que viria a proclamar, a 5 de Outubro de 1910, a instauração da República Portuguesa em Lisboa).

Em 1875, inscreveu-se nos preparatórios da Faculdade de Medicina, para seguir o curso desejado pelo pai. Aos 17 anos desistiu do curso, contrariando a família, instalando-se em Lisboa, cidade que o seduziu pela vida boémia e literária.

O ano de 1881 marca o início dos seus contactos literários ao frequentar a Academia Politécnica do Porto, lugar onde conviveu com intelectuais e artistas como Soares dos Reis, Marques de Oliveira e Basílio Teles. Fundou, juntamente com Joaquim Coimbra e Queirós Veloso, o jornal de teatro Gil Vicente. Seguidamente, colaborou em diversas publicações periódicas da cidade como O Primeiro de Janeiro e Folha Nova.

Entre 1885 e 1886 começou a sua peregrinação fora de Portugal, visitando alguns países mediterrânicos, tais como Argélia e Itália. Em 1890, retornou a Portimão para se dedicar ao negócio familiar, ficando responsável pelos mercados estrangeiros. Nesta missão comercial, conheceu diversos países como a França, Bélgica, Espanha, Alemanha, Norte de África e Próximo Oriente. Apesar da ocupação profissional, manteve o contacto regular com os meios artísticos e literários do seu país visitando, ocasionalmente, Porto e Lisboa.

No início do século XIX, a vocação literária de Manuel Teixeira Gomes concretizou-se publicando Inventário de Junho (1900), Cartas sem Moral Nenhuma (1903), Agosto Azul (1904), Sabina Freire (1905), Gente Singular (1909), obras que, segundo David Mourão-Ferreira (1961), testemunham «o seu primeiro período criativo».

Ainda em Portimão, interessou-se pela atividade republicana local participando em reuniões e comícios e colaborando no jornal A Lucta Social.

Após a implantação da República, o escritor foi convidado, em 1911, para exercer o cargo de ministro de Portugal em Londres, durante o 1º Governo Provisório, em substituição do Marquês de Soveral, tornando-se, assim, o primeiro representante da República em Londres. Posteriormente, assumiu o cargo de ministro de Portugal em Madrid (1919) e, em 1922, foi nomeado delegado de Portugal junto da Sociedade das Nações. Em 1923, foi eleito Presidente da República.

Nessa condição, debateu-se com a instabilidade governativa e a divisão partidária. Dececionado com o ambiente dos conflitos internos, renunciou à Presidência a 10 de Dezembro de 1925, alegando motivos de saúde. No dia 17 desse mês, e com o sentimento da «liberdade reconquistada», como o próprio denominou este novo capítulo da sua vida, após «quinze anos de cativeiro oficial», partiu de Setúbal, no navio Zeus, rumo ao Norte de África, com o qual ficou extremamente fascinado.

Apesar do sentimento de amargura ao abandonar Portugal, Teixeira Gomes nunca deixou de manter contactos regulares, através das suas famosas cartas epistolares, dirigidas a Câmara Reys, Manuel Mendes, João Barros, Carlos Bana, entre outros. Estas cartas registam, de certo modo, as suas viagens a Argélia, Marrocos, Tunísia, França, Itália e Alemanha.

Entre 1931 e 1941, radica-se definitivamente no «exílio voluntário» em Bougie (atual Bejaia), na Argélia.

Do «segundo período criativo» do autor destacam-se, sobretudo, as publicações de Cartas a Columbano (1932), Regressos (1935) e Miscelânea (1937), onde o «exilado de Bougie» descreve in loco a sua vivência no Magreb, terra do seu refúgio e do seu afeto, manifestando um irresistível fascínio pela «frescura deliciosa dos jardins interiores» de Fez, pela «compostura, o ar civilizado, a elegância da cidade moderna» de Argel e pelas extraordinárias dimensões dos mosaicos romanos expostos nos museus de Cartago e de Tunes. Descreve, ainda, com interesse, o labirinto dos “souks”, como apreciava o trabalho dos oleiros, dos tecelões e dos caldeireiros que «jogam com o esplendor do cobre e do arame polido». Era um apaixonado pelo sortilégio da música árabe, «a acção fulminante, irresistível, multíplice», que abala os sentimentos «pela voluptuosidade que emana, pela sensualidade que destila».

Através das entrevistas que lhe foram feitas por Norberto, entre 2 e 4 de Fevereiro de 1939, no seu “retiro” argelino, o público português ficou a conhecer o pensamento literário, os momentos de solidão e amargura de M. Teixeira Gomes.

Morreu a 18 de Outubro de 1941, no quarto n.º 13 do Hotel l’Étoile, sendo sepultado no cemitério cristão de Bougie, no jazigo dos Berg, proprietários daquele hotel. Por vontade da família, os seus restos mortais foram trasladados para Portimão, em 1950.

Apesar de preferir viver um «exílio voluntário», em Bougie, longe do seu Algarve, o seu nome está ligado atualmente a várias instituições públicas, tanto em Portugal como na Argélia, como homenagem à obra do escritor algarvio que simboliza a ligação entre Portugal e o Magreb.

 

Passagens

Portugal, Itália, Bélgica, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Holanda, Argélia, Marrocos, Tunísia.

 

Citações

A vinda para Pisa libertou-me das fantasmagorias em que caíra, mas logo me trouxe, com a pena de ter deixado Florença, grandes saudades dos seus monumentos, dos seus museus, dos seus jardins, das suas paisagens, e do conjunto, da harmonia de tudo isto, que faz com que a vida, ali, corra num ritmo incomparável. (Cartas a Columbano: 61)

Estou convencido (não cesso de o repetir) de que, nesse trecho da costa algarvia, se realizou a concepção literária e pictórica da «paisagem grega», que mal se esboça, aqui e ali, nalgumas ilhas do Arquipélago, nos arredores de Nápoles, na Sicília e na Argélia. (Regressos: 114 – 115)

Fiz-me negociante, ganhei bastante dinheiro e durante quase vinte anos (1890-1910) viajei, passando em Portugal poucos meses. Montei a vida de forma que na região compreendida pelo norte da França, a Bélgica e a Holanda, onde vendia os produtos do Algarve, levava quatro ou cinco meses; ia a casa liquidar contas, e depois nos cinco ou seis meses restantes, livre e despreocupado, metia-me no Mediterrâneo, cujas costas visitei por assim dizer, passo a passo. (Miscelânea, pp. 130- 131)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

Gomes, Manuel Teixeira (1932), Cartas a Columbano, Lisboa, Portugália Editora, 2ª edição, [1957].
—- (1935) Regressos, Lisboa, Seara Nova, 1ª edição.
—- (1937) Miscelânea, Lisboa, Seara Nova, 1ª edição.
—- (1942) Londres Maravilhosa e outras páginas dispersas, Lisboa, Portugália Editora, 2ª edição [1960].

 

Bibliografia Crítica Selecionada

FERREIRA, David Mourão (1960), Aspectos da Obra de M. Teixeira-Gomes, Lisboa, Portugália Editora.
LOPES, Norberto (1942), O Exilado de Bougie, Lisboa, Sociedade Industrial.
RODRIGUES, Urbano Tavares (1982), M. Teixeira-Gomes: O discurso do desejo, Lisboa, Edições 70.
VALDEMAR, António (2005), Manuel Teixeira Gomes, Um Português no Magreb. Introdução e selecção de textos do autor. Edição Bilingue Português-Árabe. Instituto Camões / Presidência da República.

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