(1884-1968)
De ascendência norte-americana pelo lado materno, Jacques Chardonne, pseudónimo do escritor Jacques Boutelleau formado a partir do nome de uma aldeia suíça (Chardonne-sur-Vevey), iniciou a sua atividade literária com Catherine, um primeiro romance escrito em 1904 mas que o autor só daria à estampa sessenta anos mais tarde, em 1964. Outras obras se seguiram com particular destaque para L’Épithalame (1921), romance com o qual o escritor quase obteve o prémio Goncourt, Claire (1931), uma obra com grande tiragem aquando da sua publicação, a trilogia Les Destinées Sentimentales, publicada entre 1934 e 1936, Romanesques (1937), Chimériques (1948) e Vivre à Madère (1953).
Os primeiros contactos diretos com Portugal tiveram lugar no início de Março de 1951, período em que Jacques Chardonne chegou a Lisboa por comboio. A sua estadia não se circunscreveu apenas à capital portuguesa já que a prosseguiu em Sintra e na Madeira, ilha à qual se dirigiu por hidroavião, vindo a instalar-se no hotel Savoy no Funchal. No entanto, este projecto de visitar a Madeira surge já numa carta de 13 de Agosto de 1930, dirigida ao poeta e dramaturgo Paul Géraldy, na qual, referindo-se à ilha, acrescenta: “É o Oriente… a dois passos” (cit. in Guitard-Auviste 2000: 262). Concretizado este plano vinte e um anos mais tarde, Jacques Chardonne escreverá ao escritor Jean Paulhan a 22 de Abril de 1951: “A ilha da Madeira é um Éden” (cit. in ibidem).
Esta visita à Madeira estará assim associada a uma primeira ideia do escritor para um novo romance que viria efetivamente a ser publicado em 1953 com o título de Vivre à Madère, uma obra aliás que o próprio autor anunciou como sendo a sua derradeira criação no género romanesco (Guitard-Auviste 2000: 263). Podendo ser caraterizado como um romance sem intriga (idem: 262), Vivre à Madère, narrado na primeira pessoa, e cuja ação decorre apenas parcialmente na ilha da Madeira, contém ainda elementos autobiográficos como a propriedade do protagonista em França, Buc-Chalo, uma representação literária de La Frette (idem: 84), localidade onde Jacques Chardonne viveu durante muitos anos e onde viria mesmo a falecer; poder-se-á até referir o facto de pessoas próximas do escritor o terem reconhecido na figura do protagonista do romance (idem: 149), simultaneamente narrador e personagem principal sem nome.
Uma segunda visita a Portugal teve lugar entre 15 de Abril e 15 de Maio de 1955. Privilegiando a localidade de Óbidos, escolhida por José dos Santos, então diretor da Casa de Portugal em Paris, esta segunda estadia incluiu ainda uma incursão ao Norte do País e ao Algarve. Reflexos dela podem ser encontrados na obra Matinales, publicada em 1956, que se constitui como um conjunto heterogéneo de reflexões e impressões escritas na sua maioria ao longo de 1955 e sem relação entre si. Particularmente na secção IV, o escritor aborda diversas localidades e regiões portuguesas como Óbidos, Sintra, Lisboa, Nazaré, o Algarve e ainda a Madeira.
Em 1959, Jacques Chardonne efetua uma terceira e última deslocação a Portugal, a convite do então ministério da Informação e do Turismo. Anunciada a sua chegada para o dia 15 de Março a Sintra, em carta de 4 de Fevereiro de 1959 ao escritor Michel Déon (idem: 294), o escritor visita e revisita localidades com Queluz, a Ericeira, Cascais, Sintra e, a seu pedido expresso, Óbidos. Várias destas visitas foram aliás feitas na companhia de Michel Déon e do editor Jean-Paul Caracalla, e respetivas esposas.
De resto, os contactos com Portugal à distância não deixaram de ser significativos. Recebido por José dos Santos e pela esposa Suzanne Chantal na Casa de Portugal em Paris, foi nessa instituição que Jacques Chardonne comemorou o seu septuagésimo quinto aniversário, em Janeiro de 1959, tendo sido nessa mesma ocasião que conheceu pessoalmente Amália Rodrigues (idem: 294). Uma celebração semelhante e no mesmo local ocorreu ainda em 1964, aquando do octogésimo aniversário do escritor.
Finalmente, em 1963, Michel Déon publicou Le Portugal que j’aime…, obra acompanhada de numerosas ilustrações, legendadas por Paul Morand, na qual aquele autor aborda diversos aspetos relativos à História, monumentos, costumes do povo português. A apresentação do livro ficou a cargo de Jacques Chardonne sob a forma de um curto texto introdutório ao longo do qual se encontram diversos excertos, com alterações, extraídos dos textos relativos a localidades portuguesas contidos na obra Matinales.
Passagens
França, Portugal, Tunísia, Suíça, Alemanha, Itália, Grécia.
Citações
A Madeira é uma ilha assaz semelhante a um Éden. Nunca lá está demasiado frio nem quente, e o oceano que a banha jamais se apresenta tempestuoso. Foi Carlos quem dela me falou pela primeira vez em 1936, quando decidiu abandonar França e ir viver para a Madeira. Pensei então ir visitá-lo; antes de morrer conhecerei um paraíso, nem que seja só por dez dias. (1953: 12).
As mulheres caminham lentamente, bem direitas, sempre com um cesto de fruta ou de legumes na cabeça. Vêem-se poucas mulheres. A influência dos costumes árabes, os princípios da religião católica, levados à risca na Madeira, confinam-nas ao lar, rodeadas de muitos filhos. Os homens têm uma doçura sombria no olhar. Poder-se-ia acreditar que, nos princípios, o homem era um ser tímido e suave e que, na Madeira, acabou por conservar essa primeira e encantadora natureza. (idem: 16).
Que paz pelas estradas de Sintra, no silêncio virgem, à sombra de árvores que julgaríamos ver pela primeira vez! Passa uma carroça melancólica, puxada por dois cavalos. Há lugares desses bosques majestosos que se diriam ser vestígios de um acampamento real que tivesse deixado marcas numa fonte, num jardim, e ainda esses magníficos castelos rococó lá no alto, amontoamento de velhas conchas. (idem: 54).
Se procurar um lugar isolado na Europa, uma velha cidade quase sem habitantes, e se pensar em Óbidos, não é a veneração do passado que me fará lá voltar; é simplesmente porque quero uma cidade sem poeiras. (1956: 168).
Meio-dia. É a hora em que Martine, suponho eu, passeia pelas lojas da rua Garrett. Esta ideia dá-me forças. No meio da multidão, depressa distinguirei uma rapariga loura e alta por entre as raparigas de Lisboa que estão sempre acompanhadas pelas mães. (idem: 184).
A primeira vez que vim a Óbidos verifiquei como é pobre a minha imaginação. Tinha imaginado uma mistura de Vézelay e de Carcassonne. Não é nada disso. É um ramo de margaridas atado com um laço dourado; um amontoado de casas brancas, uma pequena cidade medieval sobre a qual teria nevado. (idem: 198-199).
Bibliografia Ativa Selecionada
CHARDONNE, Jacques (1953), Vivre à Madère; ed. ut.: Paris: Grasset, 2004.
—- (1956), Matinales, Paris : Éditions Albin Michel.
DÉON, Michel (1963), Le Portugal que j’aime…, apresentação de Jacques Chardonne, Paris : Éditions Sun.
Bibliografia Crítica Selecionada
GUITARD-AUVISTE, Ginette (2000), Jacques Chardonne ou l’incandescence sous le givre, Paris : Éditions Albin Michel.
MONIZ, Ana Isabel (2009), “Utopia e (des)encanto em vivre à Madère de Jacques Chardonne”, Carnets, Cultures littéraires: nouvelles performances et développement, nº spécial, automne / hiver, pp. 289-297.
MOURÃO-FERREIRA, David (1989), “Algumas imagens de Lisboa na literatura francesa (1920-1940)”, in Os Ócios do Ofício, Lisboa: Guimarães Editores: 195-210.
Pedro Gonçalves Rodrigues