(1881-1957)
A atividade literária de Valery Larbaud – e não Valéry, como o próprio fez questão de precisar (cit. in Mousli 1998: 18) – inicia-se na sua adolescência com diversas obras, embora Les Portiques (1896), pequeno volume de versos, tenha sido das poucas a sobreviver ao “auto-de-fé” do próprio autor. A notoriedade que lhe granjeia Poèmes par un Riche Amateur (1908), obra publicada sob o nome de A. O. Barnabooth, será plenamente estabelecida por outras produções literárias como o romance Fermina Márquez (1911), A. O. Barnabooth, Ses œuvres complètes (1913), Enfantines (1918), Amants, heureux amants… (1923) e Aux couleurs de Rome (1938).
Viajante incansável, Valery Larbaud visitou diversos países desde a sua juventude, nomeadamente a Itália, a Inglaterra, a Rússia, a Espanha, a Áustria e a Alemanha, entre outros. Seria ainda em 1926 que o escritor se deslocaria pela primeira vez a Portugal, país que surge já mencionado em alguns dos seus poemas anteriores a esta visita. A literatura portuguesa não lhe era aliás desconhecida já que, desde cedo, havia lido Antero de Quental e Alexandre Herculano em traduções (Rivas 1985: 103, 104). Por outro lado, na sua infância, e através da leitura do Journal des Voyages, Valery Larbaud conheceu a história do explorador colonial português Serpa Pinto e dos seus feitos.
Prevendo o escritor, desde Junho de 1925, uma estadia em Lisboa por um período de poucos meses, parece não ter sido alheia a este projecto a sua amizade com Ramón Gómez de la Serna (Arcos 1974: 41), escritor espanhol que, por sua vez, possuía uma propriedade no Estoril. Valery Larbaud deslocou-se pois a Lisboa no célebre Sud Express, tendo iniciado a sua estadia na capital portuguesa a 25 de Janeiro de 1926. Instalado provisoriamente no Avenida Palace, o autor mudou-se posteriormente para uma pensão da Avenida da Liberdade, nº 168.
Após ter visitado, incógnito, a cidade e aqueles que eram, então, os seus arredores como Belém e Algés, Valery Larbaud pronuncia uma conferência sobre Maurice Scève e outros poetas franceses esquecidos do século XVI, organizada pela União Intelectual Portuguesa, que teve lugar no Teatro de S. Carlos, a 20 de Fevereiro, com muito sucesso. A 22 de Fevereiro, durante um banquete dado em sua honra no Clube Bristol, o escritor é homenageado por diversos escritores, entre os quais António Sérgio, Ramón Gómez de la Serna, António Ferro, João de Castro Osório e ainda Almada Negreiros, que recitou um poema em francês da sua autoria, escrito em 1919 em Paris: «Histoire du Portugal par cœur».
Tendo abandonado Lisboa de modo a poder conhecer melhor a província portuguesa, Valery Larbaud foi informado do falecimento da sua tia, Jane des Étivaux, aquando da sua estadia no Buçaco, vendo-se assim forçado a interromper a sua estadia no país. O escritor partiu de regresso a França no dia 8 de Março e nunca mais voltou a Portugal.
Embora a permanência de Valery Larbaud em Portugal tenha sido de curta duração, o seu interesse pela língua e literatura portuguesas foi imenso, de tal modo que ainda estava no nosso país quando começou a aprender o português com grande empenho.
Por outro lado, no que diz respeito à sua produção literária, Valery Larbaud escreveu três trabalhos que, embora publicados inicialmente em revistas das quais era um dos orientadores, surgiram reunidos pela primeira vez no volume Caderno, publicado em 1927 com ilustrações de Mily Possoz; neles ficaria registada a ligação entre Portugal e a obra de Valery Larbaud.
O primeiro desses textos, «Lettre de Lisbonne à un groupe de d’amis», publicado parcialmente a 1 de Abril de 1926 na revista Le Navire d’Argent, consiste no registo das impressões do escritor sobre a capital portuguesa, incluindo uma descrição rápida dos principais acontecimentos ocorridos durante a sua estadia na cidade, nomeadamente a conferência sobre Maurice Scève e o banquete no Clube Bristol.
«Divertissement philologique», publicado na revista La Nouvelle Revue Française, a 1 de Junho de 1926, debruça-se sobre a descoberta da Língua Portuguesa que Valery Larbaud então aprendia. Este texto foi aliás o único a ser traduzido dos três que viriam a constituir o referido Caderno. A tradução, da responsabilidade da escritora Fernanda de Castro, com quem o escritor manteve correspondência, foi publicada em duas partes pelo jornal A Informação, com o título de «Recreação filológica», em Julho de 1926.
Publicado no número da Primavera de 1926 da revista Commerce, o terceiro texto de Valery Larbaud, «Écrit dans une cabine du Sud-Express», reflete o interesse do escritor francês por Eça de Queirós. Ao longo do texto, o escritor relata a leitura que fizera em apenas quatro dias, e em português, do livro A Capital, publicado em 1925 pelos herdeiros de Eça de Queirós, prosseguindo com uma síntese e breve análise da obra.
Estes textos voltariam a ser reeditados em Jaune Bleu Blanc (1927), uma recolha de textos de Valery Larbaud, que inclui ensaios, notas de viagem e impressões de paisagens. É nesta obra que se encontra também um outro artigo do escritor que, embora já não centrado em Portugal e na sua literatura, contém uma breve alusão ao Palácio Hotel do Buçaco, lugar onde terá sido alegadamente escrito. Trata-se do texto «200 chambres, 200 salles de bains», publicado primeiramente em 1926 na revista La Revue de Paris.
A viagem do escritor a Portugal, a sua curiosidade pela língua e pelo país, ficaram por conseguinte registados. O interesse pela Literatura Portuguesa levou ainda Valery Larbaud a manter correspondência com escritores portugueses como António Sérgio, José Osório de Oliveira, António Ferro e Vitorino Nemésio. Uma prova inegável do seu papel de mediador da cultura portuguesa em França reside no prefácio que Larbaud redigiu para uma nova tradução para francês, publicada em 1941, d’ A Relíquia de Eça de Queirós, a pedido expresso do tradutor Georges Raeders. Aí, como nos textos anteriores, este autor revela-se fiel àquela que foi sempre a sua preocupação de divulgar e promover em França as culturas e literaturas que aí eram ignoradas ou mal conhecidas.
Passagens
Portugal, Alemanha, Áustria, Espanha, Inglaterra, Itália, Rússia.
Citações
Basta ver uma página impressa em português para imediatamente sentir a forte personalidade desta língua. (1926a: 4)
Há, realmente, na língua portuguesa, qualquer coisa de pomposo, de manuelino. (1926b: 4)
Beira-mar é uma das expressões mais poéticas que conheço. Equivale ao inglês Seaside, mas é muito mais expressiva. É vasta, sonora, grandiosa e oceânica. (ibidem)
Eça de Queirós é clássico em Portugal e no Brasil, e a sua influência em Espanha é já um facto histórico. (1927: 252)
Ainda só li apenas uma das grandes obras de Eça de Queirós: Fradique Mendes, mas pressinto o que poderá ser a sua obra romanesca: um quadro admiravelmente preciso e completo da sociedade portuguesa dos últimos trinta anos do século XIX. Ele vê esta sociedade como historiador, moralista, artista e poeta e com o distanciamento necessário a uma visão de conjunto. (idem, 261)
A alegria portuguesa é uma lenda; mas a cortesia portuguesa, a doçura dos costumes portugueses são uma realidade. Portugal é um país onde se é feliz, onde julgo que poderíamos viver agradavelmente. Tem a seu favor o clima, as paisagens, o Oceano; e também o clima moral de um velho e glorioso reino europeu com vastas colónias, um império ultramarino. (1927: 218-219)
Bibliografia Ativa Selecionada
LARBAUD, Valery (1926a), «Divertissement philologique» [ed. ut.: «Recreação filológica», tradução de Fernanda de Castro, in A Informação, no 1, I Ano, Lisboa, 17 de Julho: 4].
—- (1926b), «Divertissement philologique», [ed. ut.: «Recreação filológica», tradução de Fernanda de Castro, in A Informação, no 3, I Ano, Lisboa, 19 de Julho: 4].
—- (1927), Jaune Bleu Blanc, Paris, Gallimard.
Bibliografia Crítica Selecionada
ARCOS, Joaquim Paço d’ (1974), Valery Larbaud e Portugal, Lisboa: Guimarães & Ca. Editores.
MOUSLI, Béatrice (1998), Valery Larbaud, Paris: Flammarion.
RIVAS, Pierre (1978), «Le Portugal et le Brésil : marches et centre chez Larbaud», in Valery Larbaud et la Littérature de son Temps, Paris: Klincksieck; ed. ut.: «Portugal e Brasil: marcas e centro em Valery Larbaud», in Diálogos Interculturais, São Paulo: Hucitec, 2005: 42-63.
—- (1985), “Correspondance entre Valery Larbaud et Vitorino Nemésio”, in Arquipélago, série Línguas e Literaturas, nº 1, vol. VII, Ponta Delgada: Universidade dos Açores: 93-114.
Pedro Gonçalves Rodrigues