(1926)
De seu nome civil José Fernandes de Lemos, nasceu em Lisboa, onde estudou pintura e litografia na Escola de Artes Decorativas António Arroio e, mais tarde, na Sociedade Nacional de Belas-Artes. Conviveu desde novo com o meio artístico e literário lisboeta, levando-o a auto-definir-se como “surrealista, pintando, desenhando, escrevendo poesia”. A essa polivalência, viria ainda a acrescentar a sua entrada “como um primitivo” na fotografia, graças à atracção pelos efeitos dos líquidos de laboratório sobre a fragmentação das imagens.
A afirmação pública da sua individualidade artística conheceu o seu primeiro e decisivo momento aquando da tão célebre quanto escandalosa Exposição da Casa Jalco, em 1952 (juntamente com Fernando Azevedo e Vespeira), onde o jovem Fernando Lemos apresentou mais de uma centena de trabalhos (fotografia, óleos, desenhos e guaches).
Opositor ao regime salazarista, Fernando Lemos troca em 1953 Portugal pelo Brasil, radica-se em São Paulo e naturaliza-se brasileiro no início da década de 60, ao mesmo tempo que passa a colaborar na redacção do Jornal Portugal Democrático, órgão dos exilados políticos no Brasil, onde, como já Gilda Santos (1998), os seus traços contribuíam para “levantar a qualidade artística, nem sempre brilhante, do jornal” que, aliás, viria a publicar-se até 1975.
Na qualidade de bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, parte em 1962 para o Japão, onde frequenta estudos calígrafos em Tóquio e Kyoto. Seguir-se-ia, no ano seguinte, outra viagem de estudo por Hong Kong, Tailândia, Egipto, Itália e França.
Impedido de entrar em Portugal, a situação reverter-se-á após a Revolução de 74, tendo sido inclusive levado a criar projectos de intercâmbio entre Portugal e o Brasil e a expor em Lisboa por diversas vezes na década de 80. Das provas de reconhecimento oficial, em Portugal, da qualidade artística de Fernando Lemos, destaca-se, em 2001, o Prémio Nacional de Fotografia, pelo Centro Português de Fotografia, no Porto.
No domínio da escrita poética, o autor estreara-se em 1953 com Teclado Universal, publicado nos “Cadernos da Poesia”, tendo também colaborado com poesia e ilustrações em Uni/Bi/Tri/Tetra/Pentacórnio, dirigida por José Augusto França e por Jorge de Sena. Será aliás este último, poeta e crítico dos mais exigentes, a apresentar também a partir do exílio no Brasil, a reedição alargada, em 1963, de Teclado em Universal, fazendo-o nos seguintes termos: «É assim que Fernando Lemos, transcendendo as fronteiras pela sua arte plástica, se liberta do pequeno círculo verbal em que a maioria dos poetas portugueses, em Portugal, se empresta mutuamente, e a quem os acotovela na rua, por uma ilusão de humanidade. E é assim que em Teclado Universal e Outros Poemas, continua a ser tão português, da única maneira autêntica que tem havido de sê-lo: a raiva de pertencer-se a uma língua que tem servido para tudo, menos para libertar quem se serve dela” (Sena 1985).
Já em 1985, Fernando Lemos tornará a editar o surrealizante Teclado Universal, integrado desta feita num volume mais vasto, onde se destaca o experimentalismo linguístico, tendencialmente eivado de abstracionismo concretista, mesmo quando se trata de declarados “Poemas de circunstância”. A esse alargado livro de poemas, súmula de muitos anos, atribuiu Fernando Lemos o sugestivo título de Cá & Lá, em síntese da sua condição ambivalente enquanto cidadão e artista, ou se quisermos, como expressão do seu ângulo específico de abordagem artística, à imagem daquilo que, a propósito, também resumiu E. M. de Melo e Castro (ele próprio também dividido entre Portugal e o Brasil…): “CÁ e LÁ. Reduzem-se as distâncias mas aumenta o alcance” (Melo e Castro 1985).
De resto, e como oportunamente apontou Graça Capinha (1997), este criador polifacetado tem perfeita consciência da complexidade da sua identidade como da sua arte, ambas construídas por múltiplas intersecções e ambiguidades. No importante catálogo À Sombra da Luz foi o próprio Fernando Lemos a deixar escrito “(…) tenho duas pátrias, uma que me fez e outra que ajudo a fazer. Como se vê, sou mais um português à procura de coisa melhor” (Lemos 1994).
Entretanto a sua obra plástica encontra-se dispersa pelo mundo, estando o artista representado em Museus e Colecções particulares no Brasil, Portugal, Espanha, Suíça, Polónia, França, USA, Japão, Holanda e Argentina.
Passagens
Portugal, Brasil, Espanha, França, Itália, Holanda, Suíça, Egipto, Tailândia, EUA, Japão.
Citações
JAPÃO
Invento I
louvar lento relento
raízes
mudo pensamento
cana pólo
capa mato absoluto
momento absorto
luto
(…)
(Cá & Lá: 145)
Nós heróis do mar eis
nobre povo sempre as naus
na frente dos reis.
Primeiro a moldura depois
a pintura após o relato
a epopeia depois do relato
(…)
Levantai hoje de novo,
todo o esplendor de Portugal
galinha após o ovo já que
primeiro Colombo depois Cabral
(“Hino triste sem melodia. Uma tarde no Museu das Janelas Verdes” in Cá & Lá: 190)
rio rio rio
Não rio só
Não rio só de janeiro
rio de fevereiro também
rio de dezembro que ficou para trás
rio do brasil e do brás
rio também do rio
eterno Verão
onde mulher é profissão.
(…)
É um exercício vicioso vício saboroso
com o sabor de um osso
com o sabor de um urso
transistorizado
num transitório equador
oblíquo do português
Lisboa
São Paulo
(“Letra para música RIR”, Cá & Lá: 219)
Bibliografia Ativa Selecionada
LEMOS, Fernando (1985), Cá & Lá antecedido por Teclado Universal, Lisboa, INCM.
—- (1994), À sombra da luz, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, 1994, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão.
Bibliografia Crítica Selecionada
CAPINHA, Graça (1997), “Ficções credíveis no campo da identidade”, Revista crítica de ciências sociais (nº 48), Coimbra, Centro de Estudos Sociais, junho de 1997.
GOMES, Sérgio B. (2009), “Entrevista a Fernando Lemos: Eu sou a fotografia”, Público, 04.12.2009.
LOURENÇO, Eduardo (1981), O Espelho Imaginário, Lisboa, INCM.
MARINHO, Maria de Fátima (1987), O Surrealismo em Portugal, Lisboa, INCM.
MATOS, Maurício de (s/d), “O poder do gesto em Fernando Lemos”.
MELO e CASTRO, E. M (1985), “Lemos Fernando como quem lê FERNANDO LEMOS” in Cá & Lá, op.cit., pp.257-264.
SANTOS, Gilda (1998), “Da arte de ser multiplamente português num exílio brasileiro”. Comunicação apresentada no Colóquio Jorge de Sena. Org. Bibliotecas Municipais e Câmara Municipal da Cultura, Lisboa.
SENA, Jorge (1983), Líricas portuguesas – II, Lisboa, Edições 70.
—- (1985), “Prefácio”, in LEMOS, Fernando, Cá & Lá antecedido por Teclado Universal. Lisboa, INCM.
Ana Paula Coutinho (2011/07/01)