(1967-)
Birte Stährmann nasceu em Flensburg, em 1967, no Norte da Alemanha, agora vive em Estugarda com a família. O primeiro romance, Der Duft nach Vanille [O cheiro a baunilha], foi publicado em 2016 passa-se entre a Alemanha e a Itália. O segundo romance, Wellen kommen, Wellen gehen [Ondas vêm, ondas vão], de 2018, passa-se entre Estugarda e Barcelona, em 1953 e 1993. O terceiro romance tem como título Schatten und Licht in Lissabon [Sombras e Luz em Lisboa] (a partir de agora designado pela sigla (SLL) e foi publicado em 2019, após duas viagens da autora a Lisboa e a Sesimbra. Nota-se o interesse da autora por relações situadas entre o seu país e outras zonas europeias (Itália, a Espanha franquista e a actual), unindo geralmente dois ou mais períodos históricos. Desse modo as narrativas aparecem integradas nos contextos históricos respectivos, alternando as vivências individuais com os factos históricos. A autora diz (e também a personagem Mirjam, em SLL, numa entrada de 2018) que se informou bastante sobre a história e a realidade portuguesas, com especial ênfase no período dos refugiados nos anos 30 e 40, no Estado Novo, incluindo a queda de Salazar da sua cadeira em 1968, e depois de 1974. As diferentes realidades portuguesas são vistas pela perspectiva das figuras femininas, constituindo assim uma visão diferenciada e contrastiva dos mesmos locais nos vários períodos em questão.
O romance Schatten und Licht in Lissabon pauta-se por uma escrita demasiado sentimentalista, com uma escolha de adjectivos muito artificial. O grande interesse reside, sobretudo, na construção e na ligação da acção aos contextos históricos e ao entusiasmo pela cidade de Lisboa, na variação entre o discurso da narradora e as reproduções das cartas e passagens diarísticas de diferentes figuras, reflectindo três gerações e as respectivas vivências em Lisboa entre 1933 e 2018.
O romance que aqui nos ocupa é, sob o ponto de vista gráfico, composto por partes em itálico, representando as cartas de Judith a Karolina e da sua filha Angelika à filha desta, Mirjam, que só saberá delas a partir da morte da mãe. Nesta secção também se inclui diários de Angelika e de Mirjam. A outra secção, em grafia normal, corresponde à voz da narradora que, contudo, se mantém muito próxima da perspectiva da figura em destaque, entremeando as partes com a voz da narradora com as cartas e partes dos diários.
Este romance começa e termina em Março de 2018, correspondendo à morte da mãe de Mirjam, e acaba no mesmo ano, depois da visita a Lisboa, onde Mirjam vai procurar o pai. A mãe nunca revelou, em vida, a identidade do pai, dizendo ter-se tratado de um encontro fugidio. Mirjam separa-se do seu namorado, ficando como único ponto de referência Robert, amigo de sua mãe. O mesmo tipo de experiências vai-se revelando na vida das personagens, encontros e desencontros provocados quer pela vivência individual quer por factores externos, centrado na vida de três alemãs, que irão relacionar-se, de um ou outro modo, com portugueses.
Tudo começa com a leitura das cartas deixadas pela mãe. A primeira carta da mãe a Mirjam é datada de 15 de janeiro de 2018, explicando o modo como a filha deverá ler as cartas deixadas e que revelarão no fim a identidade do pai. Em 1933, Judith Cohn, então com 13 anos, foge da Alemanha dada a sua origem judaica, apesar de sua família ser protestante. Vai primeiro para Paris, depois foge para Portugal com um visto passado por Aristides Sousa Mendes (SLL 63 e 69), cônsul em Bordéus.
A 2ª parte (de 8 no total) começa com uma carta de Judith à sua amiga Karolina, que será a destinatária de todas as suas cartas de 1933 até 15 de janeiro de 1977. Através destas cartas o leitor é informado sobre a Lisboa dos refugiados, recebidos pelo regime de Salazar, ao mesmo tempo que este ia reprimindo todas as forças que se lhe opunham (SLL 57, 101). Judith trabalha em organizações de apoio aos refugiados e é também guia. Fala-se da Exposição do Mundo Português, da Torre de Belém, do Monumento aos Descobrimentos. Lisboa era, naquela altura, uma confusão de línguas (SLL 67). Seguem-se entradas do diário da mãe datadas de 1976, escritas em Lisboa, aquando duma visita que fez com Karolina, e onde encontraram Elias, fruto do casamento de Judith com Tomás, um português não simpatizante com o regime, de uma família de produtores de vinho do Porto. Tomás fora ferido por uma bala perdida aquando da manifestação em frente ao edifício da PIDE, em 1974, e viria a falecer em consequência dos ferimentos. Judith, entretanto cidadã portuguesa, não quer voltar para a Alemanha, a sua cidade de Estugarda já não existe. Elias mostra os encantos de Lisboa: os azulejos, a luz, o fado, incluindo uma das primeiras apresentações de Amália (SLL 74), as pequenas ruas, os ‘pastéis de nata’, uma espécie de leitmotiv de Mirjam em Lisboa, a saudade, as casas pouco aquecidas, a pobreza na capital, a contrastar com Estoril e Cascais, mas também a Lisboa de Salazar e a guerra colonial. E, em 2018, Mirjam acha que partes da cidade já foram invadidas por turistas, facto que discutirá também com Tiago, um arquivista que ela conhece e que lhe mostrará alguns aspectos da cidade, fazendo com que a cidade seja vista por diversos ângulos. Entretanto as cartas de Judith são cada vez mais esparsas, pois, saber-se-á mais tarde, Elias e Angelika tiveram duas semanas de namoro intenso e, como consequência, nasce Mirjam, facto que foi ocultado por Angelika quer a Elias, quer a Judith (que morre em 2002). Como consequência da leitura das cartas e do diário, Mirjam parte para Lisboa à procura do pai. A rapariga, entretanto com 41 anos, financia a viagem quer com o dinheiro que a mãe lhe deixa, quer pelo avanço dado pela publicação de dois artigos que deverá escrever, um sobre Lisboa, outro sobre o papel da cidade na crise dos refugiados do nacional-socialismo. Mirjam tivera o primeiro encontro com o país num restaurante português em Hamburgo, cujo dono simpatiza com a cliente e lhe fala de Portugal e do fado (e já aqui aparecem os pastéis de nata!). Aqui ela lê as partes do diário da mãe a partir de 1976, narrando a visita a Lisboa e o encontro com Elias, uma espécie de mise en abyme da sua relação com Tiago.
Na 4ª parte, Mirjam vai para Lisboa à procura do pai. Vai encontrá-lo no Estoril, mas opta por não dizer ainda quem é. Os tempos vão intermitentemente passando entre a procura do pai e os encontros com Tiago. No fim, o pai, que fora redactor no Diário de Notícias, já desconfia de Mirjam, pois pesquisou na Internet e encontrou um anúncio da morte de Angelika, onde figurava o nome da filha. Assim, a filha tem o trabalho facilitado, bastando confirmar as dúvidas de Elias. Entretanto, Mirjam vai conhecendo Lisboa, primeiro sozinha, depois com Tiago: Torre de Belém, Praça do Comércio, o Cais das Colinas, a Rua Augusta, que detesta por ser um aglomerado das grandes lojas internacionais, a calçada portuguesa, referindo-se mais do que uma vez aos motivos das ondas no Rossio, alguns espaços que conhecemos através de outras personagens.
O romance termina em aberto, com a óbvia (tudo é bastante óbvio neste romance) aceitação do pai da sua ‘nova’ filha, nada sabendo do que vai ser o futuro de Mirjam e Tiago. Assim, este romance retoma vários eixos narrativos: a história individual de três amores e os respectivos contextos individuais e colectivos: a fuga da Alemanha nazi, a Lisboa dos refugiados e a passagem do Estado Novo e o Portugal contemporâneo, sempre com a história europeia ao fundo. Este aspecto e a forma como a autora constrói a obra, tornam-na num romance conseguido, apesar de alguns aspectos da linguagem e de alguns traços demasiado sentimentalistas.
Passagens
Portugal, Alemanha, Lisboa
Citações do romance Schatten und Licht in Lissabon
A cidade é mais ou menos do tamanho de Estugarda. As casas estão espalhadas por várias colinas. De muitas vê-se o Tejo, um rio muito grande. A cidade tem uma luz clara. Muitas casas têm fachadas com azulejos coloridos, como os que temos nos quartos de banho em Estugarda. Tem um ar engraçado. (Carta de Judith em 15 de Junho de 1933) (46)
A família Cohn viajou de comboio até Cascais, mais ou menos uma hora, e entraram num mundo completamente diferente. Em Lisboa a pobreza era visível em muitos sítios. Havia crianças que andavam descalças e com roupa rota, a pedirem esmolas. Em Cascais pelo contrário os Cohn sentiam-se pobres, face à riqueza ostensiva de outros visitantes, com jóias caras, carros luxuosos e roupa cara. Também os edifícios e os hotéis eram sumptuosos, pois a aristocracia portuguesa tinha descoberto no século passado este local estival. (52)
“Hoje vou-lhe apresentar Amália. Só tem 20 anos, e, para mim, é já uma das maiores vozes do nosso país. Tenho a certeza que um dia será célebre.” A jovem delicada, com cabelos escuros encaracolados, com um vestido preto simples, subiu para um palco improvisado. Sem cumprimentar os ouvintes, cruzou os braços no peito, fechou os olhos e começou a cantar. Bastaram os primeiros acordes da sua voz, rica em tonalidades, para alcançar os corações de Judith e Max. (74)
“Com certeza que essas perdas todas te façam sofrer muito. Mas acho que é libertador, que tenhas conseguido pôr tudo cá fora. Seria muito pior, que te tivesses fechado dentro de ti. Sabes, nós os portugueses somos mestres nessa arte. Dizem que trazemos connosco uma forma profunda de dor universal, a saudade. É muito melhor dar voz à dor. Quem me dera poder fazê-lo”. (97)
Depois da pausa dar uma volta pelo bairro das compras à volta da Rua Augusta. Achei horroroso o reboliço da zona comercial, sem trânsito, com muitas sucursais de grandes marcas, artistas de rua, pedintes, e sobretudo turistas, turistas, turistas. Como é que os habitantes da cidade se dão com a enchente de gente como eu? Como é que o meu pai reage ao facto? (189)
O táxi parou na Rua do Grémio Lusitano em frente de uma casa amarela. A porta de entrada era de carvalho maciço, mas junto às campainhas só figuravam números. Porque é que as pessoas evitavam colocar os nomes? Será porque em Portugal há nomes muito compridos? Ou será uma relíquia dos tempos de Salazar, como forma de protecção perante a polícia secreta? (254)
Bibliografia Ativa
Birta Stährmann (2019), Schatten und Licht in Lissabon, Hamburgo, tredition.
Gonçalo Vilas-Boas
Como citar este verbete:
VILAS-BOAS, Gonçalo (2021), “Christopher Isherwood”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.
https://ulysseias.ilcml.com/pt/termos/stahrmann-birte/