(1929-2009)
Depois de estudar Ciências Políticas, Sociologia e Literatura em Zurique e Paris, esteve ligado à revista cultural du, de 1958 a 1962 à revista Weltwoche (1964-1969). Desde cedo viajou muito. Distribuiu a sua atividade de escritor entre a ficção e textos de viagem, muitos deles centrados em Portugal e no mundo de fala portuguesa, nomeadamente o Brasil. Após a sua participação num documentário sobre Portugal para a televisão suíça, com o título Ach, Herr Salazar, em 1963, foi interdito de entrar no país. O documentário acaba por ser retirado do programa e não aparece nos Arquivos, criticando vivamente a política colonial portuguesa. Depois de 1974 vem várias vezes ao país e escreve diversos artigos sobre Portugal, publicados no jornal Neue Zürcher Zeitung e, desde 1988, para proferir conferências em diferentes Faculdades de Letras e noutras instituições.
Em 1966 publica a tradução do sermão de Santo António aos Peixes, em 1966 (Die Predigt des Heiligen Antonius an die Fische), Portugal surge como um dos palcos em alguns capítulos do romance Der Immune (1975, O Imune). Neste romance, a figura principal está à procura da imunização. Para tal percorre muitas partes do mundo, está no Maio de 68 e está também no Portugal do Estado Novo. O primeiro capítulo português “Am Rande Europas” (p. 133-136, “Na orla da Europa”) a figura encontra-se no Cabo de S. Vicente, ligando-se a sua história à dos descobrimentos. O segundo capítulo com afinidades com Portugal intitula-se “Der gebrochene Blick” (p. 243-247, “O olhar quebrado”) e passa-se no Castelo de S. Jorge, em Lisboa. Enquanto o Imune contempla turisticamente a cidade, alguém vem ter com ele e indica-lhe onde está a sede da PIDE/DGS. A figura passa a ver Lisboa com um outro olhar, “Lisboa estava por detrás das grades” (p. 247). O capítulo “Der Abschuß” (p. 367-382, “O tiro”) começa com a seguinte frase: “O Imune levou um tiro, sem que tivesse sido disparado um tiro.” Fala-se essencialmente como é possível calar alguém. O capítulo “Ein Robot-Bild des Dichters” (p. 435-441, “Um retrato robot do poeta”) fala essencialmente de Fernando Pessoa, cujo “Eu – esse é um outro” causa muitas dificuldades às autoridades para saberem afinal quem devem prender! Este romance tem continuidade em Die Papiere des Immunen (1986, Os papéis do Imune), onde um capítulo se refere a Portugal, neste caso relacionado com a narrativa da partida de um suíço num dos barcos, na caravela Santa Maria, que partia para as descobertas. Aí fala-se da saudade como uma espécie de “doença suíça”.
Em 5 de Outubro de 2001, estreia-se no Convento de Tibães, em Braga, a peça Die getötete Liebe. Inês und Pedro (O amor assassinado. Inês e Pedro), retomando o tema de Inês de Castro, um dos temas portugueses mais referido nas literaturas europeias. Loetscher volta ainda a um tema da história portuguesa no conto “Die lederne Gesinnung” (“A mentalidade de couro”, no livro Der Buckel (2002), O corcunda) à volta de um processo movido a um “sapateirinho” ribatejano, no século XV, que defende a ideia de que os homens não são humanos, mas o produto da grande desordem na Arca de Noé. O problema reside nas consequências da sua teoria: “Se os homens não são humanos, então é inútil produzir leis humanas.” Por isso defende a maior libertinagem, a promiscuidade e outras atividades pouco queridas das autoridades. Loetscher publicou cerca de duas dezenas de artigos sobre Portugal, sendo o primeiro de 1965, com o título “Brief aus Lissabon” (“Carta de Lisboa”), uma tentativa de perceber a alma lusa, inclusive a saudade! “Corrige” as posições conservadoras de Reinhold Schneider no artigo “Fatalität der Geschichte. Reinhold Schneider und Portugal” (1985, “O fatalismo da história. Reinhold Schneider e Portugal”). Noutros textos leva-nos aos museus da capital, ao Chiado, ao Algarve, ao mundo agrário do Norte a Sul, aos Açores. Estes artigos são olhares de um suíço sobre Portugal, com as suas admirações e interrogações.
Passagens
Portugal, Brasil, França, Suíça.
Citações
Mas há um outro Portugal. Aquele, que já havia antes de as caravelas e os descobridores partirem, um que continuou a existir, quando os interesses se voltaram para as costas transatlânticas e ilhas pacíficas, um Portugal, que continuou, depois da perda do império colonial: é o Portugal agrário. […] Quando se fala do Portugal agrário, costuma-se logo distinguir o Norte do Sul, entre o Alentejo e o Minho. Um sul seco, um norte chuvoso. (“Das andere, das agrarische Portugal”, Neue Zürcher Zeitung, 27/28.8.1983)
Que o pós-modernismo em Lisboa despertou curiosidade e desenvolveu a fantasia, tem com certeza a ver com o facto de tudo o que é moderno atrair as atenções. Viveu-se demasiado tempo ao lado das coisas. Com a ânsia dos atrasados, recupera-se tudo o que é moderno. Mas o pós-modernismo não é só uma questão de necessidade de recuperar. Corresponde ao sentimento estilístico português. Este teve sempre mais a ver com o decorativo do que com o encontrar concepções básicas. E isto desde o estilo manuelino, que se desenvolveu na época dos descobrimentos. (“Europäische Adresse: Lissabon”, Der Tagesanzeiger – Das Magazin, Nr. 29/1994)
Toda a discussão sobre a Europa não é nova para mim e minha geração. Para nós, a Europa era o problema mais urgente, nós nunca mais queríamos guerra. Nesse sentido, é decisivo para mim, que o velho paradigma de centro e periferia seja superado. Antigamente Portugal ficava distante, na periferia da Europa, agora eles acabam de exercer a presidência da UE. Esse é o processo decisivo de mudança de pensamento num mundo globalizado – num globo, cada ponto é um centro. (“O escritor Hugo Loetscher defende ingresso da Suíça na EU”, swissinfo, 30.3.2008)
Bibliografia Ativa Selecionada
LOETSCHER, Hugo
(1966), Die Predigt des heiligen Antonius an die Fische. António Vieira – Porträt eines Gewissens, Zurique, Die Arche.
(1985), Der Immune, Darmstadt, Luchterhand, 1975. Segunda edição Zurique, Diogenes.
(1986), Die Papiere des Immunen, Zurique, Diogenes.
(2001), Die getötete Liebe. Inês und Pedro, Braga.
(2004), Der Buckel. Geschichten, Zurique, Diogenes.
Artigos em jornais
“Brief aus Lissabon”, Neue Zürcher Zeitung, 24.9.1965.
“Zur Radiographie der portugieschen Seele”, Neue Zürcher Zeitung, 14/14.4.1979.
“Flanieren in Lissabon I – Der Chiado – die listenreiche Strasse”, Neue Zürcher Zeitung, 1.12.1979.
“Flanieren in Lissabon II – Porugiesische Sorgen nit Museen”, Neue Zürcher Zeitung, 2.2.1979.
“Der Seefahrer und sein Kap”, Neue Zürcher Zeitung, 4.1.1980.
“Das andere, das agrarische Portugal”, Neue Zürcher Zeitung, 27/28.8.1983.
“Sightseeing als Inszenierung”, Neue Zürcher Zeitung, 1.10.1987
“Europäische Adresse: Lissabon”, Tagesanzeiger, Nr. 291994.
“Die Azoren oder Auf verschiedene Art insel sein”, Neue Zürcher Zeitung, 19/20.12.1998.
“Brücke nach China. Oriente – portugiesische Präsenz in Asien”, Neue Zürcher Zeitung, 24.8.1998.
Bibliografia Crítica Selecionada
DEWULF, Jeroen (1999), Hugo Loetscher und die «portugiesischsprachige Welt», Bern et alii, Peter Lang.
SABALIUS, R. (1995), Die Romane Hugo Loetschers im Spannungsfeld von Fremde und Vertrautheit, Bern et alii, Peter Lang.
VILAS-BOAS, Gonçalo (2005), “Hugo Loetscher und Portugal”, in J. Dewulf, R. Zeller (ed.), In alle Richtungen gehen, Zurique, Diogenes, p. 102-121.
Gonçalo Vilas-Boas