Tezza, Cristóvão

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Tezza, Cristóvão

(1952)

Cristovão Tezza nasceu em 1952 em Lages, Santa Catarina – Brasil. O seu pai morreu quando tinha sete anos e dois anos depois a sua família mudou-se para Curitiba, Paraná. Em 1968, ingressou no CECAP – Centro Capela de Artes Populares e participou numa primeira peça. Ainda em 1968, também participa da primeira peça de Denise StoklosCírculo na Lua, Lama na Rua. Em 1969, faz parte de duas montagens do grupo XPTO. Em 1971, ingressou na Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante mas, em Agosto desse ano, abandonou a instituição. A sua estadia em Portugal deu-se em Dezembro de 1974, quando veio estudar Letras na Universidade de Coimbra. No entanto, devido à Revolução dos Cravos, passou um ano viajando pela Europa. Em 1984, trabalhou como professor de Língua Portuguesa na UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. De 1986 a 2009, deu aulas na UFPR – Universidade Federal do Paraná. Desde então decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura.

Em 1988, publicou Trapo, obra pela qual ficou conhecido no Brasil. Em 1989, publicou Aventuras provisórias, livro que recebeu o Prémio Petrobrás de Literatura; e Juliano Pavollini. Em 1991, editou A suavidade do vento. O fantasma da infância saiu em 1994 e, no ano seguinte, publicou Uma noite em Curitiba. Em 1998, Breve espaço entre cor e sombra recebeu o Prémio Machado de Assis da Biblioteca Nacional para melhor romance do ano. O fotógrafo, de 2004, recebeu o Prémio da Academia Brasileira de Letras de melhor romance do ano e o Prémio Bravo! de melhor obra, em 2005.

Nesse mesmo ano, incluiu na obra Contos para ler em viagem, organizada por Miguel Sanches Neto, o conto “Telhados de Coimbra”. Este conto reporta-nos a uma Coimbra pós-25 de Abril, palco de um romance entre a personagem principal (alter ego do autor) e Maria, uma jovem portuguesa. A narrativa, não muito complexa, oferece retratos de uma cidade de traços medievais, numa época de mudança e desenvolvimento. “A expressão (gosma de Idade Média) fala de um Portugal de há 30 anos, e está vinculada à experiência histórico-emocional do narrador. Obviamente, hoje Portugal é um outro país, em todos os sentidos. Gostaria muito de rever esse país tão marcante na minha formação de escritor” (Tezza, 2008). O Portugal que Cristovão Tezza conheceu era um país recém-liberto do fascismo, ainda um país muito conservador, agarrado aos costumes e fechado. Provavelmente, terão sido estas as caraterísticas que levaram o autor a categorizá-lo de “gosma de Idade Média”. A passagem por Portugal foi, segundo o autor, uma experiência muito enriquecedora no seu crescimento como pessoa e escritor, tal como refere em algumas entrevistas: “Essa foi uma experiência fascinante – olhar o Brasil de longe, pisando num país aprendendo a viver em liberdade. Eu não sabia, mas de fato a Revolução dos Cravos abriu caminho para a mudança total do perfil do mundo que se daria anos depois com a queda do Muro de Berlim.” (Tezza, 2009a)

Em Julho de 2007, publicou O filho eterno, o qual recebeu o Prémio da APCA – Associação Paulista dos Críticos de Arte, para a melhor obra de ficção do ano; em 2008, os prémios Jabuti de melhor romance, Bravo! de melhor obra, Portugal-Telecom de Literatura em Língua Portuguesa e o Prémio São Paulo de Literatura, para o melhor livro do ano; em 2009, recebeu o prémio Zaffari & Bourbon, como o melhor livro dos últimos dois anos; em Dezembro de 2009, o jornal O Globo considerou O filho eterno uma das dez melhores obras brasileiras de ficção da década; em Março de 2010, recebeu o prémio Charles Brisset (França). O romance foi editado em Itália, Portugal, França, Holanda, Espanha, Austrália e Nova Zelândia.

Esta obra é um romance de traços autobiográficos que o autor escreveu na terceira pessoa, afirmando que “(…) consegu[iu] escrever o livro no momento em que [s]e torn[ou] personagem. Com esse distanciamento, o romance foi em frente” (Tezza, 2009a). Na opinião de Marina Barbosa de Almeida, trata-se de: “Um livro sincero, um narrador sincero, uma história sincera. Sem pieguice, sem conquistas descritas em tom meloso, sem lágrimas fáceis de ‘histórias bonitas’ – mas lágrimas sinceras de confissões que podem ser recebidas como um soco no estômago” (Barbosa de Almeida 2009). Nesta obra, o narrador confidencia todas as dificuldades que teve ao criar o seu filho que sofre de síndrome de Down e as preocupações e pensamentos que o invadiram nessa altura, ao mesmo tempo que viajava pelas suas lembranças do passado. Segundo Tezza, “(…) Portugal representou muito na [sua] formação de escritor, num ano fundamental da [sua] vida. (…)” (Tezza, 2009a). De facto, Portugal fez parte da vida do autor enquanto este se formava como escritor e como pessoa. Na obra O filho eterno, existem inúmeras situações que apontam para reminiscências de vários episódios da vida do autor, no Brasil e fora dele, nomeadamente em Portugal, que está nas suas memórias como um país que lhe deu e ensinou muito, por exemplo, através da Biblioteca da Universidade de Coimbra, onde passou imenso tempo a enriquecer-se literariamente; e no seu “sótão de Raskolnikoff” (Tezza, 2007:117) como poeta em crescimento.

 

Passagens

Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Suíça, Polónia, Rússia, Estados Unidos e Austrália.

 

Citações

Eu recriava os telhados de Coimbra, as fachadas de antigamente, as velhas de preto com cestos à cabeça. (Os telhados de Coimbra, p.26)

Coimbra, Coimbra. Logo eu teria de me decidir, não sabia bem pelo que, nem como. Há uma terra que é minha do outro lado do mar. Enquanto isso eu e Maria representávamos a liberdade absoluta. (idem, p. 29)

Pensava em Coimbra, nos velhos teatros reformados em cinemas sempre de lotações esgotadas, nas ruelas medievais, subidas e descidas onde eu me perdia e onde nunca ninguém aparece morto a facadas, para meu espanto. À noite tudo era uma só coisa. O bilhar do Luna cheio de brasileiros, os cafés da Baixa, as tascas fedorentas e agradáveis da rua da Direita. À noite Coimbra se somava, a Biblioteca Geral apagava as luzes, enrolava os pergaminhos, a sabedoria velha, os reis, os cavaleiros, e os cartazes políticos subiam pelos muros, marcando um outro tempo. (idem, p. 30)

Eu não tinha futuro, mas toda a história futura já estava em mim, como em Portugal, oculto nas lavadeiras do Mondego, no condutor do eléctrico, na multidão dos filhos. – Viva Portugal Socialista! (idem, pp. 30-31)

E lembrou que o poema foi escrito em Portugal, em plena Revolução dos Cravos – cinco governos provisórios em um ano. (O Filho Eterno, p. 56)

(…) é o nascimento da tragédia, de Nietzsche, cujos trechos mais impactantes ele copiava laboriosamente no silêncio sinistro da Biblioteca de Coimbra. (idem, p. 57)

Apenas seis anos atrás estava na biblioteca da Universidade de Coimbra, em Portugal, lendo O Homem Revoltado, de Albert Camus, e A Origem da Tragédia, de Nietzsche. (idem, p. 99)

Rua Afonso Henriques, ele lembrou, no alto de Coimbra. Lá escreveu o seu poema-síntese, Rousseau e Marx na cabeça, Freud mais ou menos inútil no bolso do colete, o paraíso no horizonte: ‘Todas as forças estão reunidas para que o dia amanheça.’ Uma vez saiu com um amigo do Partido Comunista para pintar foices e martelos nos postes da cidade (…) Portugal quase em chamas, ele fantasiou. Um governo provisório atrás do outro – parece que estamos a um passo da Revolução Final, o paraíso instaurado. (…) Ouviram discursos na sede do partido em Coimbra. Álvaro Cunhal, a mítica figura, lançava seus desenhos da prisão, bicos-de-pena realistas cujas cópias eram vendidas para angariar fundos à grande causa. (…) Lembra de ter participado de uma passeata de bandeiras vermelhas naquelas ruas estreitas da Idade Média portuguesa. Sim, uma Idade Média ainda viva. A língua portuguesa foi a única língua românica que aceitou a ordem papal de mudar os dias da semana, da nomenclatura pagã dos romanos para o seriado insosso da nossa vida: segunda-feira, terça-feira… Um povo obediente, capaz de trocar, por um simples decreto, o nome de seus próprios dias. E ele ali, carregando uma bandeira ridícula, o comunista acidental, como Chaplin virando a esquina. (idem, pp. 99-101)

De volta a Coimbra, estende contra a luz o envelope estufado, tentando decifrar algum segredo – ele apalpa antes de abrir, e parece que há algo de diferente nele. Dinheiro. É uma nota de cem dólares, protegida por duas folhas de papel dobrado, junto com a carta do cunhado que financiará seu retorno ao Brasil, quatorze meses depois de chegar, numa passagem da Varig comprada em doze prestações. (idem, p. 149)

Nas livrarias da Coimbra sem censura e livre de uma ditadura praticamente milenar por uma revolução branca em Portugal, mas com o sangue de milhares de mortos no quintal da África, ele folheia espantado o Manual da guerrilha urbana, de Marighella (…). (idem, p. 150)

Quando finalmente a Universidade de Coimbra reabre as portas aos calouros depois do “saneamento” que se seguiu à Revolução dos Cravos, em Janeiro de 1976, assiste a algumas aulas caóticas com duzentos alunos em anfiteatros imensos – e mais uma vez vive o sentimento claustrofóbico de que tem de respirar em outraparte. Súbito, detesta Coimbra. De repente, parece que tudo ali lhe faz mal – a solidão brutal, principalmente. Até o sotaque lusitano o irrita. Aquele conservadorismo pesado; aquelas mulheres de preto; aquela gosma da Idade Média; os chavões da esquerda. Os chavões da direita. (idem, pp. 151-152)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

TEZZA, Cristovão (2005), “Os telhados de Coimbra”, in Contos para ler em viagem, org. Miguel Sanches Neto, Rio de Janeiro-São Paulo, Editora Record.
—- (2007), O Filho Eterno, Lisboa, Gradiva.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

ALMEIDA, Marina Barbosa de (2009), “Reseña de ‘O Filho Eterno’ de Cristovão TEZZA”, Revista de Estudos Feministas, vol. 17, n.º 1, pp. 274-276, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.
De olhos nos olhos com Cristóvão Tezza” [entrevista de 21.11.2008, conduzida por Jorge Marmelo].
Escritor Cristovão Tezza diz ser funcionário público de si mesmo” [entrevista de 29.06.09a, conduzida por Teresa Chaves].
Entrevista” [entrevista de 08.02.09b, conduzida por Malu Echeverria].

Cláudia Araújo (2011/11/18)