(1936 – )
Nascido em Águeda, no seio de uma família de tradição liberal e de forte empenhamento político, os seus estudos na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra coincidiriam com as lutas académicas de 1962, em que participou ativamente e na sequência das quais foi mobilizado para Angola. Aí mesmo, viria a ser preso por tentativa de revolta militar contra a guerra colonial. As memórias ficcionais desse primeiro desenraizamento, embrenhado numa revolta e ânsia de libertação em várias frentes, só viriam a conhecer a letra de forma, muitos anos mais tarde, no romance Jornada de África.
De volta à metrópole, em 1964, nesse mesmo ano partiu para o exílio em Paris, de onde regressaria após a Revolução, a 2 de Maio de 1974. Ainda na década de 60, enquanto membro da direção da FPLN (Frente Patriótica de Libertação Nacional), residiu na Argélia onde trabalhou vários anos na Rádio Voz da Liberdade, para além de ter realizado outras viagens (Alemanha, Checoslováquia, Moscovo…), diretamente relacionadas à atividade política, e das quais se pode encontrar um eco fugaz na heteroficção que representa Rafael, o romance de 2004, onde Manuel Alegre se entrega a uma revisitação polifónica e entrecruzada desses tempos e lugares.
Se bem que, desde finais da última década de 80, tenha publicado regularmente livros em prosa, é sobretudo ao labor poético que se tem mantido fiel desde A Praça da Canção (1965), o seu livro de estreia, publicado já com o autor no exílio e que, por força da Censura ou apesar dela, viria a circular profusamente nos meios oposicionistas, tal como os seus outros textos anteriores ao 25 de Abril de 74.
Com um imaginário criativo de inegável cunho épico e intervencionista, marcado pela História de Portugal e pela reflexão em torno do destino coletivo dos portugueses em diáspora pelo mundo, a poesia de Manuel Alegre, ao mesmo tempo que se afastou da componente mais marcadamente ideológica dos seus começos neo-realistas, cimentou-se na conjugação da tradição lírica dos Cancioneiros, das estruturas versificatórias clássicas e do diálogo constante, explícito ou implícito, com grandes vultos da literatura ocidental, com destaque para Homero, Dante, Camões, Rilke…
Se bem que as componentes testemunhal e autobiográfica da sua obra (tanto poética como ficcional) deixem transparecer diferentes fases do percurso de vida do autor, (vd. por exemplo, os poemas de Praça da Canção, de O Canto e as Armas, de Babilónia, de Chegar Aqui ou de Livro do Português Errante; os contos de O Homem do País Azul ou os romances Jornada de África, Alma, Rafael…), todas essas circunstâncias acabaram integradas em diferentes modalidades textuais e progressivamente encaminhadas para a reflexão em torno da melancolia e da nostalgia que assaltam os espaços deste “português errante”, não só convicto de que a escrita é um destino, como também consciente da condição exílica da própria literatura.
No seu papel interventivo de orador e mesmo de breve ensaísta, numa deriva encarada como Arte de Marear, Manuel Alegre convoca uma perspetiva global da literatura portuguesa que vai, aliás, no sentido de lhe reconhecer a tradição de um duplo ou múltiplo exílio, onde radica uma dinâmica estruturante, sucessiva ou mesmo simultânea, de “Errância e Enraizamento”: Há o exílio que provoca o desenraizamento. E há o que leva à redescoberta da raiz, ao voltar a casa, ao enraizamento. Eu creio que é o caso de parte significativa da literatura portuguesa. Uma literatura marcada pela errância e pela viagem. E por várias formas de exílio. (2002: 27).
Passagens
Portugal, França, Argélia, Checoslováquia, URSS, Grécia.
Citações
Georges: tu que já foste com António Nobre/ ao meu país de marinheiros/ anda ver Portugal a um bairrro pobre/ anda vê-lo em Paris sem mar e sem pinheiros // Nanterre St.Denis Aubervilliers Champigny./ Ai tempo sem raiz./ Eu já vos disse que não sou daqui. // Nesta noite sem pátria em Paris” (O Canto e as Armas in 30 Anos de Poesia, p. 183 ) “Éramos vinte ou trinta nas margens do Sena./ E os olhos iam com as águas./ Procuravam o Tejo nas águas do Sena/ procuravam salgueiros nas margens do vento/ e esse país de lágrimas e aldeias/ pousadas nas colinas do crepúsculo./ Procuravam o mar. (idem: 190)
Irei morrer ainda a Salamina/ Mesmo que da antiga perdida grandeza/ Não reste mais do desordem e ruína/ Irei morrer ainda a Salamina/ Pelo sol pela luz pela beleza. (“Louvor de Apolo (Viagem à Grécia: Maio 1983)” in 30 Anos de Poesia: 550 )
Conhecerás a beleza da cidade, não propriamente a da ponte Alexandre III e da Concorde, nem a dos Campos Elísios e suas luzes, nem só a de suas praças íntimas, Place des Vosges, Place de la Contrescarpe, mas a beleza terrível e feia dos seus grandes bulevares desertos à noite, esse deslumbramento e esse pavor de caminhar não ouvindo senão os ecos dos próprios passos, por entre a majestade da pedra e do silêncio, sentindo a atracção do anonimato e da dissolução na própria imensidão da noite e da cidade. (Rafael: 197)
Há nas baías das grandes cidades uma ausência aflita/ brilha nas luzes dos arranha-céus reflectidas nas águas tristes/ e todos os navios têm o seu rosto cosmopolita/ o teu rosto imprevisto chegado do país onde existes e não existes.// Em Hong-Kong S. Francisco Amsterdão Nova Iorque/ há uma espécie de nostalgia uma viragem uma aragem/ melancolia é o teu nome talvez porque/estás quase para chegar e como sempre de passagem (…). (Livro do Português Errante: 65)
Bibliografia Ativa Selecionada
ALEGRE, Manuel (1965), Praça da Canção, 1ª edição, Cancioneiro Vértice.[ed.ut. 30 Anos de Poesia, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997] —- (1967), O Canto e as Armas, Nova Realidade, 1967. [ed.ut. 30 Anos de Poesia, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997] —- (1983), Babilónia, Lisboa, O Jornal.[ed.ut. 30 Anos de Poesia, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997].
—- (1984), Chegar aqui, João Sá da Costa. [ed.ut. 30 Anos de Poesia, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1997].
—- (1989), Jornada de África, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (1989), O Homem do País Azul, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (1995), Alma, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (1997), “Inéditos”, 30 Anos de Poesia, Lisboa, Dom Quixote.
—- (1998), A Terceira Rosa, Lisboa, Publicações Dom Quixote, Outubro de 1998.
—- (1998), Rouxinol do Mundo – Dezanove poemas franceses e um provençal subvertidos para português, edição bilingue, Publicações Dom Quixote.
—- (2001), Livro do Português Errante, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (2002), Arte de Marear,Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (2004), Rafael, Lisboa, Lisboa, Publicações Dom Quixote.
—- (2008), Nambuangongo, meu amor – os poemas de guerra, Lisboa, Editorial Caminho.
—- (2008), Sete Partidas, Lisboa, Edições Nelson de Matos.
Bibliografia Crítica Selecionada
ANDRÉ, Carlos Ascenso (2008), “O Impossível Retorno do Poeta Exilado”, Latitudes, 33, Paris, Setembro, pp.14-17
BESSE, Maria Graciete (2008), “O Horizonte da Guerra Colonial na Poesia de Manuel Alegre”, Latitudes, 33 Paris, Setembro, pp.41-44.
FERREIRA, José Ribeiro (2001), Manuel Alegre: Ulisses ou os Caminhos de Eterna Busca, Coimbra, Minerva.
KEATING, Maria Eduarda (2004), “De Ulisses ao Português Errante.Notas sobre a viagem na poesia de Manuel Alegre”, Largo Mundo Alumiado. Estudos de Homenagem a Vitor Aguiar e Silva, Org. Carlos Mendes de Sousa e Rita Patrício, Universidade do Minho, vol.2, pp.797-804.
MENDES, Ana Paula Coutinho (2008), “Exílio Interiorizado e Desdobramentos Textuais em Manuel Alegre”, Latitudes, 33 Paris, Setembro, pp.21-27.
—- (2001), “A França de Manuel Alegre: do não-lugar ao lugar poético”, Histórias Literárias Comparadas, Org.Teresa Seruya e Maria Lin Moniz, Lisboa, Edições Colibri e Centro de Literatura e Cultura Portuguesa e Brasileira da Universidade Católica Portuguesa, pp.187-198.
SILVA, Vítor Aguiar e (1998), “A hora de Elsenor no canto de Manuel Alegre”, Prefácio a Manuel Alegre, Senhora das Tempestades, Lisboa, Publicações Dom Quixote, pp.11-22.
VILHENA, Ana Maria (2005), Manuel Alegre e a interminável busca do azul, Lisboa, Dom Quixote.
Ana Paula Coutinho (2011/11/14)