(1967-)
Monica Ali é uma escritora britânica de origem bangladeshiana, nascida em Daca de um pai bengali e de uma mãe inglesa. A sua família regressou ao Reino-Unido quando Monica tinha apenas três anos. Com uma formação bastante heteróclita em Oxford (filosofia, política e economia), Ali trabalhou no departamento marketing da editora Pluto, e tornou-se diretora de vendas e marketing noutra editora, a Verso, antes de publicar o seu primeiro romance, Brick Lane [Sete mares e treze rios] publicado em 2003 e adaptado ao cinema em 2007. Este romance valeu-lhe comentários muito elogiosos, e fê-la constar nas listas do Booker Prize e na prestigiosa revista Granta como um dos autores britânicos mais promissores da sua geração.
Se é certo que esse primeiro romance tinha por cenário o contexto pós-colonial da comunidade bengali instalada em Londres, e se interessava pela questão intercultural do casamento arranjado, a segunda obra, Alentejo blue (2006) [tradução portuguesa de Manuel Valle Cintra (2007)], causou surpresa pelo facto de Ali optar pelo quadro rural e tranquilo de uma região portuguesa, o Alentejo, cujo azul no branco imaculado das casas a marcou, mas que remete também para o blues [melancolia, depressão].
Com efeito, Monica Ali observou essa província árida e etnograficamente coesa no sentido de retratar existências banais numa aldeia fictícia e em mutação, Mamarrosa, onde se vão movimentando, à volta de um café ironicamente batizado “Paraíso”, personagens apáticas e estereotipadas, que trocam poucas palavras, e pouco revelam acerca de si mesmas.
Refira-se o Vasco, dono de um pequeno café de aldeia, que se acha a consciência do lugarejo, mas que teme a concorrência do novo cibercafé aberto na mesma rua; o João e o Rui, que mantêm uma relação forte e ambígua desde a ditadura e a resistência comunista; Teresa, uma adolescente que se esforça por perder a virgindade antes de emigrar para Londres, enquanto dois casais de ingleses expatriados, um tanto ao quanto desorientados no Alentejo, optaram desde há muito por viver nesta região perdida, e outros turistas se apegaram a esta região interior portuguesa. Além disso, as analepses permitem voltar a um Portugal (e antes de mais a um Alentejo) no tempo da ditadura e da estrutura latifundiária na sua relação com o presente e com um futuro incerto marcado pela desertificação.
A prática narrativa e o enfoque temático de Monica Ali em Alentejo blue remetem para o processo pós-colonial com um olhar exotópico para as nossas realidades rurais (ou urbanas), designado por D. Chakrabarty de “provincialização da Europa” (2000), e que revela uma “melancolia pós-colonial” (Gilroy 2006). Aliás a melancolia e a tristeza, que são caraterísticas comuns a todas as personagens, roçam o sentimento da “saudade”, frequentemente atribuído aos portugueses. Desta forma, Alentejo blue apresenta uma planície imensa e isolada, à espera.
Passagens
Bangladesh, Reino Unido, Portugal
Citações
Havia um bordel ao lado da GNR. Dieter ia lá às vezes, segundo dizia só tomar uma bebida. As mulheres portuguesas – Stanton tinha decidido isso há anos, e tinha-o confirmado muitas vezes desde então – não eram bonitas. Mesmo as mais bonitas tinham qualquer coisa de errado, um defeito fatal (…). (Ali 2007: 39)
O mundo é assim. Nem o Alentejo pode escapar. Os Estados Unidos da América são a superpotência e não é só uma questão de armas. Ele disse ao Bruno:
– Que língua pensas tu que os teus netos vão falar?
Bruno empurrou o boné e grunhiu. Bruno não é um grande pensador.
– Inglês, meu amigo – informou-o Vasco. – Com sotaque americano. (…) (idem: 78)
É uma região fascinante, o Alentejo. Por descobrir. E ao pequeno-almoço tinha estado a dizer, ‘há uma razão para isso, Eileen, há uma razão para estar por descobrir’. (idem: 107)
Estava com os seus sapatos de salto alto pretos e um vestido branco de algodão com flores azuis que condiziam com a tinta da entrada da porta. Azul-alentejo. Lá estava ela, num quadro, num momento, a posar para o resto da vida. (idem: 159)
Quando eu entrei na loja, todos pararam de falar. Eu disse bom dia toda fresca e airosa, quase a cantar, e as pessoas responderam-me em tom rabugento e voltaram-se. Não demora muito. Aqui, não demora. Se alguém na aldeia ao lado se peida, já toda a gente sabe à hora do almoço. Por isso, imaginem. (idem: 186-187)
No Norte de Portugal é tudo pequenas propriedades assim – disse Huw. – Aqui são latifúndios.
– Quando vier a revolução … – disse Sophie.
– Já veio – disse Huw. – Colectivização. E foi-se. (idem: 197)
Bibliografia Ativa Selecionada
ALI, Monica (2004), Sete Mares e Treze Rios, [Brick Lane], trad. de Manuel Valle Cintra, Lisboa, Dom Quixote.
— (2007), Alentejo Blue, trad. de Manuel Valle Cintra, Lisboa, Dom Quixote.
Bibliografia Crítica Selecionada
CHAKRABARTY, Dipesh (2007), Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Woodstock, Princeton University Press.
GILROY, Paul (2004), Postcolonial Melancholia, New York, Columbia University Press.
Webgrafia
https://www.lefigaro.fr/livres/2007/10/18/03005-20071018ARTFIG90228-cafe_paraso_de_monica_ali_traduit_de_l_anglais_par_isabelle_maillet_belfond_p_eur_.php (acedido a 23/03/2020).
http://portugal-mundo.blogspot.com/2008/08/alentejo-blue-de-monica-ali-2007.html (acedido a 23/03/2020).
https://www.nytimes.com/2006/06/25/books/review/25schillinger.html (acedido a 23/03/2020).
José Domingues de Almeida
Como citar este verbete:
ALMEIDA, José Domingues de (2020), “Monica Ali”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.