(1978 – )
Jean-François Dauven é um escritor belga de língua francesa da nova geração de romancistas de origem bruxelense, que já pouco ou nada liga ao movimento belga de reivindicação identitária dos anos 70, conhecido por “belgitude”.
Formado em filosofia, Dauven foi condiscípulo no liceu Martin V de Louvain-la-Neuve (Valónia, Bélgica) de outro romancista belga francófono contemporâneo, Grégoire Polet. Tendo chegado já a exercer a profissão de canalizador, Dauven trabalha atualmente como editor em Paris, onde também vive.
Aliás, a ficção narrativa de ambos os escritores aponta para semelhanças genéricas, estilísticas e temáticas. Com efeito, tal como a ficção de Polet, os três romances publicados até agora por Dauven caraterizam-se pelo “romance coral”, uma estrutura narrativa em que um conjunto de vozes se misturam, se integram, se escondem ou se sobrepõe numa complexa articulação de personagens complementares.
É precisamente o caso de Madrid ne dort pas (2005) de Grégoire Polet, e de Ceux qui marchent dans les villes (2009) de Jean-François Dauven, romances em que prevalecem o recurso generalizado ao presente do indicativo e a profusão de inúmeras personagens recorrentes. Saliente-se também o cenário predominantemente urbano e “transeuropeu” da diegese, o que autoriza uma leitura geocrítica da ficção dauveniana.
Note-se que Ceux qui marchent dans les villes foi oficialmente selecionado em 2009 para o Prémio do Livro Europeu, um galardão literário instituído em 2007 pela associação Esprit d’Europe para recompensar anualmente um romance ou um ensaio que exprima uma visão positiva da Europa, e para promover os valores comuns europeus juntos dos cidadãos da União Europeia.
Aliás, esse romance põe em cena, e em simultâneo, vários destinos que se articulam a partir de múltiplos pontos urbanos da Europa, que o autor visitou e descreve minuciosamente, entre eles Lisboa, qualificada de “inesquecível”.
Nessa primeira parte da narrativa coral e circular, descobrimos os destinos de duas personagens: Julião, lisboeta de Alfama, frequentador de casas de fado, e apaixonado por Argentina, dona de uma taberna da Baixa de Lisboa; e Jérôme, seu inquilino belga que deixou Paris e Marie, sua namorada, a quem vai mandando desesperadas cartas de amor e de pedido de reconciliação. Jérôme, de 26 anos, é guia turístico em Lisboa. Essa ocupação temporária permite-lhe construir uma imagem diferente da capital portuguesa, distinta da dos turistas, irremediavelmente “estrangeiros”, que ele vai “guiando” pelas ruas de Lisboa.
Esta cidade inspira-lhe de imediato uma recorrente “saudade” (nostalgie), bem como um sentimento de estranheza, de distanciamento e até de desconfiança em relação aos turistas nórdicos, que apenas guardam de Lisboa uma recordação cosmopolita e passageira, mas se mostram incapazes de sentir a alma profunda dessa cidade “inesquecível” e insuportavelmente quente no verão; aberta para o mar, mas fechada sobre a sua melancolia.
Ora a ocupação de guia turístico proporciona ao protagonista, e ao leitor, um percurso sentimental da Baixa de Lisboa, que se converte em comunhão de afetos e sensações, em autêntica adoção da cidade como sua.
Passagens
Bélgica, Espanha, Portugal
Citações
“La Rua da Bica de Duarte Belo est la plus belle de Lisbonne, peut-être du monde. Les façades chaudes striées de balcons noirs dévalent jusqu’au Tage, d’où remonte l’antique grincement du funiculaire jaune aux allures de jouet” (Dauven, 2009: 11)
“C’est l’été aujourd’hui et la radio annonce une vague de chaleur sur toute l’Europe. À Lisbonne, on a l’habitude. ‘Cette ville est une merveille, écrit-il, j’aime encore assez la vie pour m’en rendre compte, mais une merveille mélancolique. Les rues sont belles, les places aussi, mais elles t’attendent.’ Il plie la page sans la signer. Il est l’heure, son groupe va l’attendre. Le rendez-vous est fixé près de la statue de Fernando Pessoa, absolument immanquable” (Dauven, 2009: 12)
“Jérôme n’aime pas Belém. La ville se perd, là-bas, se délaye. Des terrains vagues tentent en vain de se faire passer pour des parcs. Et dans le monastère, la pierre a l’air de dégouliner. Mais c’est surtout la tour inutile au bord du Tage qui lui flanque le cafard […]. Il brûle de retrouver le Chiado” (Dauven, 2009: 127).
Bibliografia Ativa Selecionada
DAUVEN, Jean-François (2006), Le Manuscrit de Portosera-la-rouge, Paris, Ramsay; (2008) J’ai Lu.
— (2007), Le Soliste, Paris, Éditions Ramsay; (2009) J’ai Lu.
— (2009), Ceux qui marchent dans les villes, Paris, Flammarion, seleção oficial do Prémio do livro europeu 2009.
Bibliografia Crítica Selecionada
http://bibliobs.nouvelobs.com/romans/20090525.BIB3470/ceux-qui-marchent-dans-les-villes.html [acedido a 12/03/2017]
ROCHE, Isabelle – “Petite couronne européenne”, Le Carnet et les Instants, nº 157, p. 77.
José Domingues de Almeida