(1948)
A atividade literária de Pascal Quignard teve início em 1969 com a publicação do ensaio L’Être du balbutiement sobre Leopold von Sacher-Masoch. O primeiro romance seria Le lecteur, publicado em 1976, ao qual viriam a seguir-se outros como Les Tablettes de buis d’Apronenia Avitia, Le Salon du Wurtemberg, Tous les Matins du Monde, L’Occupation Américaine e Terrasse à Rome. Les Ombres Errantes, primeiro volume da obra Dernier Royaume, foi a obra com que o autor obteve o prémio Goncourt 2002.
Um primeiro reflexo do contacto do autor com Portugal pode ser encontrado no romance Les escaliers de Chambord, publicado em 1989, onde Pascal Quignard introduz uma referência ao Pavilhão Chinês, em eco de uma visita que o escritor fez a Lisboa para apresentação de um livro no Institut Français Portugais. Mas é com A Fronteira (La Frontière) que se estabelece a principal ligação entre Portugal e a obra literária de Pascal Quignard.
Na origem dessa breve digressão ficcional estiveram Michel Chandeigne e Anne Lima, fundadores das edições Chandeigne, que propuseram ao escritor fazer um livro sobre o Palácio de Fronteira, que seria editado não só em francês como em português. Tendo visitado o edifício por diversas vezes, Michel Chandeigne, adivinhando o eventual interesse de Pascal Quignard pelo seu imaginário seiscentista, apresentou-lhe várias fotografias, nomeadamente do bestiário representado nos azulejos existentes no Palácio. Convidado pelo marquês de Fronteira, D. Fernando de Mascarenhas, Pascal Quignard passou alguns dias no Palácio, uma estadia ao longo da qual redigiu o texto de A Fronteira. A obra foi publicada primeiramente em Portugal pela Quetzal Editores numa tradução do poeta Pedro Tamen, tendo o lançamento ocorrido aquando de uma festa dada no Palácio pelos Marqueses de Fronteira, a 19 de Maio de 1992, e que contou com a presença do autor. A edição original francesa teve lugar em Junho do mesmo ano nas Éditions Chandeigne – Librairie Portugaise.
Embora Pascal Quignard tenha partido de O Asno de Ouro, do escritor latino Lúcio Apuleio, na conceção da ficção a desenvolver em A Fronteira, toda a obra está em estreita ligação com os painéis de azulejos dos jardins do Palácio de Fronteira. Por outro lado, José Meco, autor do comentário histórico que acompanha a edição ilustrada da obra, sublinha o facto de as ficções contidas naqueles azulejos não terem sido ainda desvendadas (Meco, 1992: 135). Assim, situando-se a ação entre 1640 e 1669, período histórico que corresponde ao fim do domínio filipino, a obra de Pascal Quignard, para lá de abordar a génese da construção do Palácio Fronteira, apresenta-se como uma expressão da dimensão ficcional existente nos azulejos (Lapeyre-Desmaison, 2006: 176).
A simples título de curiosidade, o nome de Grezette, personagem de A Fronteira, foi escolhido pelo autor, que afirma tirar o nome das suas personagens da realidade (Lepeyre-Desmaison/Quignard, 2006: 169), por causa de um rótulo da pequena garrafa de vinho (muito provavelmente das caves “Grezette”) distribuído no voo Paris-Lisboa. Este facto, esquecido pelo próprio Pascal Quignard, foi-lhe mais tarde recordado pelo editor Michel Chandeigne (idem, 170).
Passagens
Portugal, França.
Citações
Num dia de Julho, o conde de Mascarenhas convidou os seus para uma festa na casa de campo que estava a construir longe de Lisboa, nas colinas e nos bosques. O lugar era selvagem. O ar misturava os eflúvios entontecedores do jasmim e da murta com o perfume da alfazema, das laranjeiras, do girassol e das rosas. (A Fronteira, 16).
Dizia o conde que pretendia concentrar no seu jardim os oceanos, as terras emersas e as estrelas, e que, uma vez que o conseguisse, ficaria por aí. (idem, 17)
O marquês de Fronteira cumpriu a sua promessa. Nem uma palavra saiu da sua boca. Mandou vir artífices a quem encomendou azulejos, que são quadrados de cerâmica pintados. Em silêncio, deu-lhes alguns desenhos feitos por sua própria mão em papel das Índias. Em silêncio, os artífices ampliaram-nos e passaram-nos ao forno. Transportaram-nos para as paredes e lá os dispuseram. O conde não disse nada. Terminada a sua nova casa, ali recebeu como era seu hábito. Os desenhos dos azulejos fizeram sensação. A corte precipitou-se para o palácio para os ver e saboreou as suas alusões tanto como compreendeu o seu ódio. A sua audácia e grosseria escandalizaram aqueles que não conheciam as circunstâncias e os pormenores. (idem, 79).
Por isso é que o parque está povoado de homens que se suicidam e de dançarinos que caem. Foi assim que o marquês de Fronteira tirou vingança da vingança da Senhora de Oeiras. Foi por isso que os animais dos azulejos tomaram rostos humanos. É por isso que ali na ponta dos frescos, no recanto daqueles muros, vemos figuras agachadas que levantam a saia e evacuam na sombra. (idem, 82-83).
Bibliografia Ativa Selecionada
QUIGNARD, Pascal (1989), Les escaliers de Chambord, Paris , Gallimard.
—- (1996), A Fronteira, tradução de Pedro Tamen, Lisboa: Quetzal Editores. [1992]
Bibliografia Crítica Selecionada
CALLE-GRUBER, Mireille (2005),«Les écritures apocryphes de Pascal Quignard», in Pascal Quignard, figures d’un lettré, direction de Philippe Bonnefis et Dolorès Lyotard, Paris , Éditions Galilée , pp. 46-48.
ENTHOVEN, Jean-Paul (1992), «Azulejos et poignards», in Nouvel Observateur, nº 1447, 30 juillet-5 août , p. 53.
LAPEYRE-DESMAISON, Chantal (2006), Mémoires de l’Origine. Essai sur Pascal Quignard, Paris , Éditions Galilée , pp. 172-177.
LAPEYRE-DESMAISON, Chantal, e QUIGNARD, Pascal (2006), Pascal Quignard le solitaire. Rencontre avec Chantal Lapeyre-Desmaison, Paris, Éditions Galilée.
MECO, José (1992), «Os azulejos do Palácio Fronteira», in A Fronteira, 2ª ed., Quetzal Editores, pp. 113-141.
Pedro Gonçalves Rodrigues (2012/01/17)