Reis, Jorge

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Reis, Jorge

(1926-2005)

Jorge Atilano dos Reis Ambrósio nasceu em Vila Franca de Xira e viveu exilado em Paris desde 1949 até à data da sua morte. Entre 1946 e 1948, fez parte da revista Vértice, tendo estabelecido relações de amizade com Carlos de Oliveira, Joaquim Namorado, e com outros escritores ligados a essa revista. Partiu para França em fuga à perseguição da Pide, motivada pela sua militância no PCP e pela sua participação nas greves de 8 e 9 de Maio de 1944. A manutenção dos seus contactos com Portugal foi assegurada, sobretudo, através da escritora Maria Lamas, também a viver em Paris, onde Jorge Reis acolheria exilados famosos, muitos deles amigos pessoais, como Manuel Alegre ou Mário Soares. Manteve com Aquilino Ribeiro, ao longo da vida, uma relação de discípulo para com o Mestre. Quando, em 1954, Aquilino foi ameaçado de prisão pela escrita de Quando os Lobos Uivam, foi a pedido de Jorge Reis que François Mauriac redigiu uma petição (publicada em vários jornais e revistas francesa) para arquivamento do processo-crime instaurado, reunindo assinaturas de grandes intelectuais franceses que defendiam o escritor contra o salazarismo, como Louis Aragon ou André Maurois. Chegado a Paris, Jorge Reis inscrever-se-ia na Sorbonne, iniciando um doutoramento em História de Arte. A receber uma mesada do pai, atravessará os tempos de crise do pós-guerra com grandes dificuldades financeiras, como muitos outros expatriados, partilhando um quarto com o pintor Cipriano Dourado – que conhecera na Federação dos Emigrados Portugueses. Em 1951, começa a sua colaboração com a Radiodiffusion Française. Em 1963, participa com Maria Lamas, António José Saraiva e outros intelectuais na criação da Liga Portuguesa de Ensino Popular, secção portuguesa da Ligue Française de L’ Enseignment Laic. Em 1966, inicia um programa da Radiofusão-televisão francesa (Radio France, também O.R.T.F.E.) – destinado a dar apoio aos emigrantes portugueses, aí tendo impulsionado cursos de Língua Portuguesa, cuja iniciativa partira do próprio General de Gaulle. Destacou-se também por ter promovido um Curso de Francês que foi difundido em ondas curtas para todo o mundo lusófono. Tornou-se a célebre voz das “Actualidades Francesas”, documentários que eram passados no cinema antes dos filmes principais. Em 1962, publica a obra Matai-vos uns aos Outros! (com Prefácio de Aquilino Ribeiro), premiada, em 1963, pela Sociedade Portuguesa dos Escritores, com o Prémio Camilo Castelo Branco. Embora proibido e retirado do mercado, o romance circulou de forma clandestina, como muitas outras obras proibidas pela Censura, tendo sido traduzido em diversos países. Objeto de alguns textos de recensão crítica em 1963, Matai-vos uns aos Outros mereceu a aprovação de Óscar Lopes, que o elegeu como “um dos cinco ou seis melhores romances portugueses [dos] últimos cinco ou seis anos” (Lopes: 6) e “talvez o melhor romance policial português” (ibidem). Neste romance, elogia Óscar Lopes a superação de fórmulas estereotipadas do Neo-Realismo e os elementos de renovação romanesca, pelo recurso, entre outras estratégias, aos dispositivos do ‘whodunnit’ policial, ao jogo de expectativas” (ibidem). Indiferente às polémicas da década de 50 sobre a “crise” ou “morte” do Neo-Realismo, o escritor declara, em 1963, a sua fidelidade à estética neo-realista: “Sou neo-realista porque considero o neo-realismo como a corrente literária mais condicente com a realidade do nosso país. (…) O neo-realismo é o herdeiro e continuador de tudo o que a literatura portuguesa deu de válido, de tudo o que a peneira do tempo decantou nas suas malhas” (cf. Lamas: 19).

A carreira literária de Jorge Reis foi preterida em prole do jornalismo e de um empenhamento político-cultural intenso, no sentido de melhorar a qualidade de vida de todos os portugueses que nos anos sessenta procuravam a França como refúgio, desde os desertores e os refratários ao regime aos trabalhadores assalariados. Os milhares de cartas que recebeu ao longo da sua vida são, decerto, uma importante fonte de estudo para um melhor conhecimento da emigração portuguesa naquele país.

Para lá de textos por si destruídos, na sequência de cortes da Censura (por. ex., o romance Órfãos de Pátria), Jorge Reis escreveu adaptações dos romances de Camilo Castelo Branco, uma História da Inquisição, a História das Origens das Ideias Republicanas em Portugal, entre muitos outros títulos, difundidos através da rádio. Destaquem-se ainda os seguintes trabalhos: o ensaio-conferência, de 1966, “Romain Rolland – uma consciência livre” (lido em Paris, Argel, Lausanne, Bruxelas); a versão portuguesa de Pantagruel, de Rabelais (Prelo Editora, 1967, ilustrações de Júlio Pomar); a tradução de alguns contos de Balzac e de Guy de Maupassant (Difel, 1987); a organização, em 1989, de volumes antológicos dedicados a Aquilino (Vega); autor, em 1967, dos diálogos do filme O Salto, de Christian de Challonge, com música de Luís Cília. Em 1983, foi galardoado com o título de Comendador da “Ordem do Infante D. Henrique”.

 

Passagens

Portugal, França.

 

Citações

– Esteve há muito tempo em Paris, Zé Carlos?
(…)
O que fora lá fazer? Sondar o mercado, ver se podia colocar umas laranjitas… Um dia, ao ler ‘La peu de chagrin’, de Balzac, soubera que no século XIX as laranjas portuguesas eram tidas como a melhor sobremesa dos mais finos banquetes parisienses… Tentara, pois, reatar essa corrente de exportação…
– Mas não fechei negócio nenhum!… Eu podia lá adivinhar que, de Balzac para cá, os Franceses se abasteciam nos pomares da Argélia!
E, passando o chicote pelo pescoço da égua, reconhecia nada ter perdido: passara três meses na Cidade das Luzes equivalentes a trinta anos naquela marmelada! Ele foram teatros, óperas, ‘ballets’, exposições, museus, conferências, passeatas à beira do Sena, leitura de revistas!… – e de jornais, homem, de jornais!… – E, de olho luzidio, suspirou de regaleira:
– Além de ter gozado à tripa-forra por Pigalle e Montparnasse, apanhei uma tal barrigada de civilização que ainda estou para aqui a esmoer – como as cobras! (…) Sim, Paris dera-lhe uma boa lição, baixara-lhe a crista! À força de ouvir os Pangloss nacionais, tinha acabado por acreditar que, sim senhor, por esse mundo fora, não havia quem nos chegasse aos calcanhares… (Matai-vos uns aos Outros!: 190-191)

Ah! E temos nós saudades desta cafraria, quando estamos longe!… (…) – Pudera… é a nossa terra!… (…) Falamos, falamos, dizemos cobras e lagartos, mas, ao fim de uns tempos no estrangeiro, começamos a andar às aranhas!… Falta-nos este sol, este cheiro, esta gente!… Lá fora, as coisas podem ser melhores, mas a pátria é a pátria! (…) Podem dar-nos acepipes de rei: coq au vin, soufflés au fromage, canard au sang… Nada vale uma pratada de bacalhau com batatas que está para a cozinha o que a flecha do sílex está para a espingarda automática!… Mas foi numa lasca de bacalhau que aguçámos os primeiros dentes… e sobretudo cheira a casa paterna!… (idem: 224-225)

Que memória a minha! Dizer que levei mais de um quartel de século a cultivar, a zelar, a não deixar que a imagem da minha terra se diluísse nas seduções de Paris – e ter-me esquecido por completo do principal elemento que constitui e embala as suas noites! Oh, desculpa-me senhor D. Vento, se não te cantei nem prestei a homenagem que mereces, na historieta que, no Bairro Latino, agenciei para enrolar as saudades da Pátria Interdita com que Maria Lamas e eu éramos acicatados! (idem: 203)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

REIS, Jorge (1962), Matai-vos uns aos Outros!, pref. Aquilino Ribeiro, Lisboa, Prelo.
—- (1977), Matai-vos uns aos Outros!, 5.ª ed., Lisboa, Caminho. Inclui novo capítulo à laia de Posfácio: “Remate quase Definitivo”.
—- (1963) “Ouvindo Jorge Reis num encontro em Paris” (Notícia do Prémio Camilo Castelo Branco), Entrevistado por Maria Lamas, in Diário de Lisboa (Supl. “Vida Literária e Artística”), 27 de Junho, pp.1-19.
—- (1988), Aquilino em Paris (ensaio), Lisboa, Vega.
—- (1990), A memória resguardada (contos), Paris, Editions Lusophone.
—- (1997), “Jorge Reis: A lição de Rolland”, entrevistado por Nair Alexandra, in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 30 de Julho, pp. 9-11.
––– (1989), Aquilino: Páginas do Exílio (Cartas e Crónicas de Paris – 1.º vol. 1908-1914), recolha de textos e organização, Lisboa, Vega.
––– (1989), Aquilino: Páginas do Exílio (Cartas e Crónicas de Paris – 2.º vol. 1927-1930), recolha de textos e organização, Lisboa, Vega.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

SIMÕES, João Gaspar (1963), Recensão a Matai-vos uns aos Outros!, in Diário de Notícias (Secção “Crítica Literária”), 21 de Fevereiro, p. 13.
LOPES, Óscar (1963), Recensão a Matai-vos uns aos Outros!, in O Comércio do Porto, (supl. “Cultura e Arte”), 26 de Março, p. 6.
—- (1995), Jorge Reis: Vida e Obra, V. F. Xira, C. M. V. F. Xira.

Maria de Lurdes Sampaio