(1957)
Robert Wilson nasceu em Inglaterra, filho de um piloto da RAF que serviu na Segunda Guerra Mundial. Trabalhou em empresas de navegação e publicidade em Londres e em empresas de comércio na África Ocidental – onde já viveu, assim como na Grécia. Depois de casar, fez com a mulher uma longa viagem por África. Mudaram-se para Portugal nos anos 90. Robert Wilson vive atualmente numa quinta em Portugal, repartindo contudo o seu tempo entre o nosso país, Espanha e Inglaterra.
Com uma primeira obra editada em 1995, é autor de romances policiais, na sua maioria de organização serial. Com efeito, Wilson criou uma série de quatro romances (entre 1995 e 1998) com a personagem Bruce Medway e outra, até à data também de quatro obras (entre 2003 e 2009), com a personagem Javier Falcón. Não é porém esse o caso de A Small Death in Lisbon – Último Acto em Lisboa na tradução portuguesa –, obra publicada em 1999, distinguida, pela Crime Writers Association, com o Gold Dagger Award e, em 2003, com o Deutscher Krimi Preis (na categoria International 1).
Entre as outras obras de Wilson, destacam-se The Blind Man of Seville, de 2003 (nomeado para o Gold Dagger Award desse ano), e The Silent of the Damned (The Vanished Hands, nos Estados Unidos), de 2004 – vencedor do prémio nos Gumshoe Awards de 2006 para melhor romance policial europeu.
Em Último Acto em Lisboa, duas narrativas distintas vão sendo processadas: uma, ao longo de poucas semanas de 1999, em Lisboa; a outra, começa em Berlim em 1941. Esta última vai-se aproximando da primeira (que nos é narrada na primeira pessoa, pelo inspetor Zé Coelho) até ao ponto em que se compreende a ligação entre ambas e até que ponto os eventos históricos relatados levaram ao crime investigado pelo inspetor, em 1999.
Klaus Felsen, empresário alemão, é recrutado pelas SS, pela sua habilidade nos negócios, com o objetivo de conseguir comprar o máximo possível de volfrâmio a Portugal. Trava conhecimento com Joaquim Abrantes, com quem acaba por abrir um banco – o “Oceano e Rocha” – financiado com o ouro nazi ao seu dispor para os pagamentos. Já depois da guerra, Abrantes descobre que um dos seus filhos – Miguel – é na verdade de Klaus e incrimina-o num assassinato, levando-o à cadeia durante 20 anos. Mais tarde, já nos anos 80, Miguel tem um envolvimento (do qual nascerá uma criança) com aquela que virá a ser a esposa do então advogado do Banco “Oceano e Rocha”. A criança que nasce (já depois desse casamento), Catarina, é assassinada quinze anos depois, e é esse o crime investigado em 1999. Vimos a saber que Catarina é usada como isco, pelo seu pai não biológico, para incriminar, por sua vez, Miguel Abrantes, afastando-o e permitindo que, com os fundos do banco, se paguem indemnizações aos Judeus, exigidas pelos americanos.
Há constantes confrontos com o passado – não só pela técnica narrativa de ir entrelaçando as duas histórias, mas também pelo facto de as personagens terem, quase todas, algo não revelado que só mais tarde se descobre: um exemplo é António e a sua ligação com Medinas.
No plano da caracterização das personagens, o tempo também é muito relevante. Temos, por um lado, Felsen, Joaquim Abrantes e os seus dois filhos movendo-se sempre no meio dos vícios de quais nunca saem (sejam mulheres, bebida ou jogo); por outro, o inspetor e Carlos Pinto, “pessoa[s] boa[s], pessoa[s] a sério, em quem se pode confiar” (2000: 379), que nos dão a sensação de que nunca irão acabar “como Klaus Felsen, um homem sem futuro” (idem, 459). Esse contraste parece reforçado pelo facto de termos acompanhado durante todo o livro o desenrolar das vidas dos primeiros, enquanto que o inspetor e Carlos só são observados durante um curto período em 1999, o que os coloca, de certa forma, acima do tempo e da degradação que este pode trazer.
De destacar, também, é a perceção diferente da revolução dos cravos que têm o inspetor e o seu ajudante Carlos Pinto, devido à diferença geracional: enquanto o inspetor passou pela situação e ainda tem dificuldades em ver certos factos de forma objetiva – por exemplo a atitude do pai –, Carlos julga a situação de fora: porque, afinal, “a história só é um peso para quem a viveu. Para a geração seguinte pesa menos que os livros da escola e esquece-se com uma cerveja e o último CD”. (idem, 59).
Os espaços retratados são, no que aos anos 40 diz respeito, quase todos de um meio social elevado; já na narrativa de 1999, e com excepção do advogado e do seu círculo, é quase o oposto o que se passa. Wilson afirma, em entrevista: “What comes to me first is the setting. I have to have a feeling for place in order for the characters to walk out of their houses. I don’t necessarily have to know a place as if I’ve lived there all my life; what I do need to have is a strong emotional connection to that place”. Assim, parece que as personagens de cada uma das épocas surgem naturalmente daqueles respetivos meios. Wilson também refere que “A Small Death in Lisbon was a more complicated affair and required a detailed plan, not only to sell the idea but also to work from. This detailed plan was however a long way from the finished book. I did a lot of research but that was mainly because there was very little written about the period – 1940s Portugal. Censorship was then government policy and locals were not in the habit of keeping diaries. I worked hard to find interesting nuggets of fact but I worked even harder to make them into stories. Of the research I did, I barely used ten percent, the rest was imagination”. Neste contexto, podemos dizer que os espaços retratados por Wilson em Último Acto em Lisboa surgem muito mais de uma “strong emotional connection” – que desperta a imaginação do autor – do que de factos reais.
Passagens
Portugal, Inglaterra, África Ocidental, Grécia.
Citações
Todos fomos jantar fora naquela noite, até o Dr. Rodrigues, que não devia estar habituado às cadeiras e mesas de metal, mas fez honras à comida. Era a refeição pela qual o meu estômago ansiava há seis meses. Amêijoas à Bulhão Pato, em vinho branco, alho e coentros frescos. Robalo grelhado, pescado nessa manhã nas escarpas do cabo da Roca. Borrego assado, do Alentejo, com a carne a abrir em lascas. Vinho tinto de Borba. Café forte como um beijo de mulata. E, para terminar, aguardente amarela, da escaldante. (2000: 59)
Cascais tem grandes apaixonados, mas eu não sou um deles. Antigamente era uma pequena aldeia de pescadores com as casas a descer em cascata pelas ruas empedradas que levavam à baía e ao porto. Agora era o pesadelo de qualquer urbanista, a menos que ele fosse um dos urbanistas que tinham aprovado os numerosos planos de desenvolvimento, caso em que certamente viveria bem e bem longe. Uma vila turística, com a população nativa de mulheres que mudavam de roupa de cada vez que iam às compras e de homens que deviam ser proibidos de sair de um clube nocturno. A vida real tinha sido expropriada e substituída por um cosmopolitismo internacional que agradava a muita gente que tinha dinheiro e a outros tantos que gostariam de lho tirar. (idem, 73)
Estava na PIDE há dois anos e meio e não o lamentava nem um momento. Tinha passado o primeiro ano na sede, na Rua de António Maria Cardoso, no Chiado, onde demonstrara aos seus superiores um talento natural para o trabalho. Nem era preciso dizer-lhe como recrutar informadores. Ele sabia. Descobria as fraquezas das pessoas, insinuava o interesse da PIDE pelas suas actividades e depois salvava-as da prisão e da famigerada Caxias, fazendo-as entrar para a sua rede. (…) Quando sorria, as pessoas gostavam dele. O sorriso fazia-lhe brilhar os olhos glaucos, com as longas pestanas que atraíam a atenção das pessoas, e o bigode dava-lhe um ar benevolente, o cabelo ralo fazia-o parecer vulnerável, de modo que geralmente as pessoas confiavam nele. Nunca cometeu o erro de as desprezar por isso, gostava que gostassem dele. Assegurou-se apenas de que os superiores soubessem que aquele exterior cuidadosamente composto escondia uma persistência impiedosa, uma severidade inflexível e um prazer insuperável em levar a missão até ao fim. (idem, 319)
– …quatro mortos e três feridos. Foi o que disseram nas urgências, só quatro. (…) Há tanques no Terreiro do Paço e no Largo do Carmo, mas não estão a fazer nada. Só estão lá. Os soldados prenderam os agentes da PIDE, mas não lhe fizeram mal … foi só para os proteger. Os soldados … eu não vi, mas dizem que os soldados puseram cravos vermelhos nas espingardas para o povo ver que não querem matar ninguém. Estão ali para os libertar. Só quatro mortos numa noite destas, com tanques na rua e navios de guerra no Tejo! Não acha incrível, senhor doutor? Eu ainda nem acredito. Palavra, senhor doutor, nunca pensei poder dizer isto na minha vida, mas sinto orgulho. Sinto orgulho em ser portuguesa. (idem, 347-348)
Bibliografia Ativa Selecionada
WILSON, Robert (1999), A Small Death in Lisbon, Londres, Harper Collins.
—- (2000), Último Acto em Lisboa, trad. de Maria Douglas, Lisboa, Gradiva.
Bibliografia Crítica Selecionada
Entrevistas a Robert Wilson: Harcourt Books e Crime Time.
[Nós por eles, série documental na RTP2 que integrou um episódio com Robert Wilson. Realização Solveig Nordlund. Produção Âmbar Filmes.]
Eduardo Oliveira Correia (2011/11/14)