Tobias, Luís

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Tobias, Luís

(1954)

Luís Tobias move-se desde cedo por um olhar fronteado pelo devir interior. Nasce no Alentejo – a que chama “Mátria” – em Évora, onde estudou. Vive em Lisboa entre 1972 e 1974. Fixa residência no Porto em 1975, onde funda a sua escola de equitação – Dressage (equitação clássica). Viaja pela Europa, América, Magrebe e Índia. Em 1989 é reconhecido com o título de Reiter Meister – Dressur pelo Egen von Neindorf Reiter Institut RFA (Mestre de Equitação Clássica), atividade que desenvolveu em Portugal e no estrangeiro e da qual já se encontra aposentado, dedicando-se a tempo inteiro à fotografia artística e à escrita, práticas que sempre manteve em paralelo.

Em 1972 participa em “Liberdade Sensitiva de Demonstração” – Évora/Amsterdam.

Foi membro fundador do movimento artístico Fundição Veia Assanhada e do coletivo poético Caixa Geral de Despojos, ambos embrionários do Porto, nas décadas de 90 do século XX e de 10 do século XXI respetivamente. Colabora regularmente em revistas e outras publicações periódicas literário-artísticas, é autor e director de fotografia de filmes em diversos formatos, como Janela com Vistas largas (1996), Carta com Janela ao fundo (1999), Óculos de Sol (2005), A Perdição já não é o que era (2005), Feedback (2006). Faz fotografia para cena e recitais, que opera frequentemente como ponto de fuga no terreno literário com que se articula. É o caso de espectáculos levados a cabo pelo colectivo Caixa Geral de Despojos, como Desapontaste-me em Punta Cana (2003), Nenhum de nós conheceu a Branca de Neve (2004), Delírios orais (2006), Vemo-nos no Limbo (2007), Bife Picado (2008), entre muitos outros.

Tendo a luz por “pigmento primário” da sua produção criativa, revela algo já veiculado nas suas instalações em que interagem vídeo-texto-fotografia: “Alguém disse que eu fotografo poesia e escrevo fotografia”. Publica diversos livros em que a intermedialidade é a terra firme, a partir da qual se acionam viagens pluridimensionais. Em As Quatro Casas (1997), parcialmente escrito em Paris, a par da fotografia, a sátira do prefácio (de João Gesta) dialoga em espanhol com a distanciada serenidade da poesia que se lhe segue em português: “Este Prefácio há superado los controles mas rigurosos realizados en laboratórios indepiendentes. Si no queda totalmente satisfecho, le reintegraremos su importe”. Em Espelho do começo dos nossos dias (2001) cooperam a Ciência, a fotoarte e a poesia, numa viagem à origem do Universo, a propósito da qual Maria do Carmo Serén afirma: “Luis Tobias […] faz intercâmbio com as imagens oníricas que a ciência nos dedica como modelos de estabilidade e sugere-nos aquelas simulações com que nos destruímos nos poemas dos tempos diferentes”. Pública Forma sem Notário (2004) enceta uma deslocação indagante ao universo da morte: “[…] concordámos navegar rotas / que já pressentíamos / duvidamos ainda hoje que / o norte seja o norte / e em silêncio respiramos uma palavra – a única.” É, aliás, o silêncio, que este autor tenta trazer para a linguagem, pela palavra ou pela imagem, tendo como forças estruturantes, na procura da essência criativa e existencial, figuras como Prem Rawat, Albano Martins e Álvaro Lapa.

De uma estadia de trabalho na Alemanha, nos anos 90, resulta a publicação bilingue Defronte um olhar esquecido / Gegenüber ein vergessener Blick (2000), com tradução para alemão de Katharina Rzepka. No prefácio a este livro, valter hugo mãe refere-se ao que subjaz à essência do registo percecional que Luis Tobias expressa através da palavra e da imagem que percorrem caminhos partilhados pelo Reno: “Defronte um olhar esquecido é a memória de uma viagem que Luís Tobias usou para arte. De passagem por Germersheim, o autor enceta um percurso estético pelas suas impressões de forasteiro. Quer com a fotografia, quer com a poesia, descortina o que é isso de se viajar levando na bagagem uma sensibilidade criativa”. Um outro estudioso do poeta e fotógrafo de que falamos, Ramiro Teixeira, refere-se às “visões de duplo efeito”, que considera “bem pouco portuguesas” e que indiciam uma Europa que se assemelhará a uma “casa inicial” que se alarga e onde se criam raízes (cf. Teixeira, 2001).

A deslocação como paradigma da procura de uma resposta estética para questões ontológicas é recorrente na obra deste autor. A propósito de Feito por Medida, narrativa fotografada em película – negativo – entre 2002 e 2005, em Nova Iorque, Londres e Madrid, com a cumplicidade da bailarina Diana Melo Rego e do escritor e poeta Daniel Jonas, Luís Tobias esclarece no Primeiro de Janeiro (12 de Maio de 2008): “aqui se inscreve a frustração de uma civilização, que se arroga como tal, apesar da sua incapacidade de gerar soluções para mitigar a incomensurável e obsessiva sede de satisfação dos indivíduos que lhe dão corpo”.

 

Passagens

Portugal, Amsterdão, Índia, Londres, Madrid, Magrebe, Nova Iorque, Paris.

 

Citações

uma casa na Inselstrasse
um abrigo do tempo que se escoa lento-breve implacável
as portas abertas
o voo dos cisnes
coisa rara para os meus olhos navegantes
outra vez a noite
a cozinha
querosene café tabaco
falámos até tudo acabar
um soalho velho e robusto separa-nos do andar de cima
duas espanholas frangem exuberantes
turcos e russos
todos os amigos e inimigos
da Antiga Espanha
sucumbem aos aguerridos ardores
da afrodísia castelhana

(Defronte um olhar esquecido, 2000)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

TOBIAS, Luís (1994), Um dia era uma vez agora já não, Porto: Felício e Cabral Editores.
—- (1997), As quatro Casas, Santiago de Compostela, Edicions Positivas.
—- (2000), Defronte um olhar esquecido, Famalicão, Quasi edições.
—- (2001), Espelho do Começo dos nossos Dias, Famalicão, Quasi edições.
—- (2004), Pública Forma sem Notário, Famalicão, Quasi edições.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

GESTA, João (1997) Prefácio a As Quatro Casas, Santiago de Compostela, Edicions Positivas.
LEAL, Filipa (2007), “Chuva em Fevereiro ou as Sete Estações”, in Primeiro de Janeiro / Caderno das Artes (Maio).
—- (2008) “Luis Tobias: Nova Iorque-Londres-Madrid”, in Primeiro de Janeiro (12 de Maio).
MÃE, Valter Hugo (2000), Prefácio a Defronte um olhar esquecido, Famalicão, Quasi edições.
MARTINS, Albano, (1994) “A Melodia Interdita”, Prefácio a Um dia era uma vez agora já não, Porto: Felício e Cabral Editores.
SERÉN, Maria do Carmo (2001) Prefácio a Espelho do Começo dos nossos Dias, Famalicão, Quasi edições.
—- (2001) “Euclipse, Fotografias e Instalação de Luís Tobias”, in ERSATZ – Jornal do Centro Português de Fotografia (Março).
TEIXEIRA, Ramiro (2001), “Identidade ou a sua Ausência”, in Primeiro de Janeiro (17 de Janeiro).
VELOSO, Manuela (2001), “Defronte um Olhar Esquecido / Gegenüber ein vergessener Blick”, in Polissema – Revista de Letras do ISCAP, nº 1.

Manuela Veloso (2011/11/14)