Russo, Letizia

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Russo, Letizia

(1980)

Letizia Russo inicia a sua atividade de dramaturga aos dezassete anos com o texto Dialogo fra Pulcinella e Gesù (vencedor do concurso Grizane Cavour-Grizanescritura, que dará origem, em 2000, a Niente e Nessuno). Mas é com Tomba di Cani, peça que lhe valeria, em 2001, o prémio Tondelli, e em 2003, o prémio Ubu de revelação do ano, que a dramaturga italiana atinge o reconhecimento da crítica nacional. Em 2002, escreve Asfissia, peça encomendada pelo «Festival di Candoni- Arta Terme», e um conjunto de peças radiofónicas (I Conigli Sulla Luna, Lo Spirito Nell’acqua, La Via Del Maré, Qoèlet, Kilmainam Gaol) transmitidas pela RAI13. A passagem pelo Royal Court Theatre de Londres, em 2002, onde participou na «International Residency» organizada por este teatro, e a escrita de Binário Morto (2004), encomenda do Festival NT Connections do National Theatre constituiram dois momentos decisivos para a sua projeção internacional. Seguir-se-iam Babel (2004) com estreia no Teatro dei Rinnovati de Nápoles, Primo Amore (2005), com estreia no Festival Garofano Verde, em Roma, ambos encenados por Paolo Zuccari, e Edeyen (2005) apresentado no festival de Ortiga (Siracusa, Sicília), numa encenação de Fausto Russo Alesi.

A obra de Letizia Russo chega pela primeira vez aos palcos portugueses em Julho de 2004, durante o Festival de Almada, onde a companhia Artistas Unidos apresentou leituras encenadas de Binário Morto (Fim de Linha), e de excertos de Tomba di Cani (Túmulo de Cães), ambas com tradução de Pedro Marques. Entre 2004 e 2005, Letizia Russo é escritora residente nos Artistas Unidos, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Desta experiência viriam a resultar dois textos: Poesia sem título (2005), texto curto incluído no espectáculo Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices – espetáculo de homenagem a Harold Pinter – e Os Animais Domésticos (que começou por se chamar Gente de Lisboa e se apresenta como um fresco sobre Lisboa, com histórias e cerca de vinte personagens que se cruzam e entrelaçam), ambos encenados por Jorge Silva Melo e estreados no Teatro Nacional D. Maria II, em 2005. Durante este período, Letizia Russo dedicou-se também à tradução para português de textos curtos de autores italianos contemporâneos (A Coxa vai parir mas o bebé quer lá saber de nascer de António Tarantino, A Terra vista do mar de Davide Enia e O Envelope de Spiro Scimone), todos incluídos no espetáculo Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices e publicados na colecção Livrinhos de Teatro (Artistas Unidos / Livros Cotovia, 2005).

Recentemente, o projeto PANOS – palcos novos novas palavras, da Culturgest que, à semelhança do programa Connections do National Theatre de Londres, procura juntar a nova dramaturgia e o teatro escolar /juvenil, incluía, na sua terceira edição (Maio de 2008) o texto Fim de Linha da dramaturga italiana, publicado num volume que inclui ainda textos do britânico Dennis Kelly e das portuguesas Patrícia Portela e Luísa Costa Gomes (Culturgest, 2008).

 

Passagens

Portugal, Inglaterra, Itália.

 

Citações

CÃO 2
Por estas lágrimas que me caem. Pelo menos podemos ficar a saber que a fêmea era eu. Que chorar não é coisa de cães. Coisa de cães machos. Estás a ver. Estás a ver que se calhar era melhor termos ficado por cá. A apanhar pontapés e restos de comida. Ou talvez não. Talvez fosse pior, não sei. Não sei qual de nós está pior agora. Talvez tenhas só saído a correr à frente e te encontre quando chegar ao rio. Nos olhos de alguma rã no salto de algum peixe. Era eu a fêmea. Era eu o macho. Por estas lágrimas que me caem só consigo dizer que nem a outra metade de mim me mataram. Fazia-me falta um pouco. Um pouco daquela água preta agora. Foi pena tê-la bebido toda. Dava-me jeito para correr mais depressa. Para chegar primeiro ao rio. Procurar-te nos olhos de alguma rã no salto de algum peixe. Ou talvez me atire também para baixo de uma destas coisas que andam tão depressa e vá ter contigo já. Mas não. Bem sabes. Vou seguir devagar. De cabeça baixa. Chegarei ao rio já noite cerrada.

(Os Animais Domésticos, Túmulos de Cães: 96)

 

já não nos voltamos a ver
disse-lhes eu, às minhas coisas
calha sempre a alguém
calha sempre a alguém ter de partir
desgraçadas que sois
eu agora vou-me embora
e de mim fica o meu avesso
a poeira
em cima que vos cai em cima
que cresce como o cabelo
e então ides perceber
o tempo que passou.

(Poesia sem título: 118)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

RUSSO, Letizia (2004), Babel, tradução de Pedro Marques, in Artistas Unidos Revista, nº 11, Julho, Lisboa, Artistas Unidos / Livros Cotovia, pp. 124-141.
—- (2005a), Os Animais Domésticos, Túmulo de Cães, traduções de Jorge Silva Melo, José Lima, Pedro Marques, Livrinhos de Teatro, nº 10, Lisboa, Artistas Unidos /Livros Cotovia.
—- (2005b), Poesia sem título, tradução de Jorge Silva Melo, in AA.VV, Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices, Livrinhos de Teatro, número especial, Lisboa, Artistas Unidos / Livros Cotovia, pp. 116-122.
—- (2008), Fim de Linha, tradução de Pedro Marques, in AA.VV, PANOS, Palcos novos palavras novas, Lisboa, Culturgest.

Bibliografia Crítica Selecionada

CAETANO, Maria João (2005), “Os Animais Domésticos somos nós”, Diário de Notícias, suplemento “Artes”, 22 de Setembro.
FRATUS, Tiziano (2005), “Cinco actos de um teatro da matéria e da morte por Letizia Russo”, in Artistas Unidos Revista, nº 14, Novembro, pp. 2-10.
—- (2004c), “A língua que queima – novas dialécticas teatrais na dramaturgia contemporânea italiana”, in Artistas Unidos Revista, nº 11, Julho, pp. 142-144.
FRAZÃO, Francisco (2008), “Introdução”, in AA.VV, PANOS, Palcos novos palavras novas, Lisboa, Culturgest, pp. 9-13.
QUADRI, Franco (2004), “A dramaturgia em Itália e a língua”, in Artistas Unidos Revista, nº 11, Julho, pp. 2-7.
SILVA MELO, Jorge (2005), “Em carne viva, Os Animais Domésticos – A cicatriz do meu lado”, in Artistas Unidos Revista, nº 14, Novembro, pp. 12-27.

Alexandra Moreira da Silva (2011/11/14)