(1878-1973)
Maria Angelina Brandão nasceu em 1878 em Guimarães. Em 1896 conhece o escritor Raul Brandão (1878-1973), quando ele foi colocado no Regimento de Infantaria 20, em Guimarães. Casam a 11 de março de 1897, véspera de aniversário de Raul Brandão. Maria Angelina tornou-se naturalmente uma colaboradora activa da obra do escritor, companheiro de toda a vida. Após o casamento, e com a finalidade de procurar um alívio aos problemas de saúde de Raul Brandão, empreenderam juntos uma longa viagem pela Europa. O testemunho dessa viagem encontramo-lo nas memórias de Maria Angelina, Um coração e uma vontade. A viagem começou a 22 de maio de 1906, num navio alemão, o Markgraf. Primeiro por um cruzeiro no Mediterrâneo, com passagens por Argel, Génova, Roma, Nápoles, Pompeia, Veneza, Milão. Depois por deslocações mais ao norte da Europa, a Lugano, Paris e Londres. Esperava-se que a viagem curasse ou, pelo menos, que ela atenuasse os sintomas da doença do escritor. O inverso parece ter ocorrido em 1924 (Maria Angelina refere 1923…), na viagem aos Açores que ambos empreenderam, agravando-se depois o seu estado de saúde. Maria Angelina menciona um desejo ainda mais antigo, infelizmente nunca concretizado: uma viagem à Palestina (M. A. Brandão, 1959: 235). A presença de Maria Angelina foi sempre uma constante na obra de Raul Brandão e a colaboração no seu livro quase derradeiro seria como um natural convite do escritor àquela que teria agido como guia dos seus passos durante a vida. A obra a que nos referimos – para crianças ou jovens, ou seja, para adultos que não param de crescer – é Portugal Pequenino, livro de viagens por Portugal continental, escrito a quatro mãos, e publicado, nos últimos anos de vida, em vários números da Seara Nova. São as aventuras de Ruço de Má Pelo e da Pisca, duas crianças endiabradas que vão percorrendo Portugal (do Minho ao Algarve, das serras ao mar, dos campos à cidade), mudando de forma (animal, vegetal ou mineral) para expiar o crime de ter destruído um ninho de andorinhas. A viagem torna-se, no dizer de Álvaro Dória, uma “metempsicose purgativa”, em que cada personagem vai melhorando o conhecimento de si, reconhecendo a unidade da criação (cf. Dória et al. 1967: 9-11). Depois do Portugal pequenino, Raul Brandão ambicionava conhecer e dar a conhecer o Portugal maior aos seus compatriotas. Maria Angelina ajudou nos preparativos desta viagem às possessões de além-mar: “Tencionava ir à África portuguesa, em visita de recreio e estudo, a fim de colher elementos para essa obra, quando a doença fatal lhe veio cortar os planos. Chegou a ter malas prontas e até escolhido um secretário” (Marques 2000: 256).
Passagens
Portugal, Argélia, Itália, Suíça, França, Inglaterra
Citações
Como era um observador, tudo o interessava: os costumes regionais, a gente humilde que, puxando os bois à frente da charrua, lavra os campos, semeia o linho cantando, na esperança de que as sementes germinem e a terra produza com abundância. Mesmo as diferentes classes que formam um povo, tudo lhe merecia aturada atenção e interesse. (M. A. Brandão 1959: 21)
Por fim, aconselhado também pelo seu médico assistente, nesse tempo o Dr. Roberto Frias, a que fizesse uma viagem por mar – ir à América do Norte por ser mais demorado o contacto com a atmosfera marítima, – eu, como sua enfermeira, propus-lhe fazer o cruzeiro pelo Mediterrâneo, tão lindo, convencida de que a viagem terá outro encanto e talvez maior interesse. (M. A. Brandão 1959: 151)
Emigrantes russos, pobres e famintos, recolhidos no porão, com os filhos pequeninos nos braços, vão em procura de outras paragens, onde melhor lhes sorria a vida, que lhes era madrasta no seu país. Pela tardinha, em busca de luz e ar, mulheres e homens sobem ao convés da proa entoando cânticos enternecedores […]. (M. A. Brandão 1959: 156)
[R. B.] Conversa com os passageiros e, além de portugueses, viajam também alemães, italianos, noruegueses, franceses, ingleses, etc., ouvindo-os com a afabilidade tão sua, e entusiasmo pelas descrições da beleza dos seus países, da cultura, da arte, dos costumes, etc, enaltecidos com a alma abrasada de amor, cada um pelo seu país, trazendo à lembranla de R. B. a possibilidade de, percorrendo outras Terras ir até aos países nórdicos. (M. A. Brandão, 1959: 157)
O mal destas viagens de hoje é que a gente lida já viu tudo antes de ver, já tem sonhado com o sonho dos outros antes de sonhar com a própria realidade. (M. A. Brandão 1959: 190)
Bibliografia Passiva Selecionada
Dória, Álvaro et alii (1967). Raul Brandão. Homenagem no seu Centenário, Guimarães, Círculo de Arte e Recreio, pp. 9-11.
Marques, João Francisco (2000). “Evocação de Maria Angelina Brandão na Casa do Alto”, Colóquio Ao Encontro de Raul Brandão. Porto, U.C.P./ Lello Editores. Online: https://catalogo.up.pt:443/F/?func=direct&doc_number=000880873&local_base=FLUP
Silva, Vicente Jorge (real.) (2008). As Ilhas Desconhecidas, Midas Filmes. Portugal, RTP1/ Governo Regional dos Açores.
Bruno Tiago Cabral
Como citar este verbete:
CABRAL, Bruno Tiago (2024), “Maria Angelina Brandão”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.
https://ulysseias.ilcml.com/pt/termo/brandao-maria-angelina/