Spender, Stephen

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Spender, Stephen

(1909-1995)

Nascido em Kensington, Stephen Harold Spender é autor de uma vasta e diversificada produção literária, que abrange domínios como a poesia, a ficção, o teatro, a crítica (literária e política) e muitas obras de cariz autobiográfico. Em 1936, inscreveu-se no Partido Comunista britânico, mas uma década depois, a sua desilusão com o comunismo era dada a público em The God that Failed (1949), volume que reunia ensaios de André Gide, Richard Wright e outros. Spender publicaria vários livros de cariz político, que são hoje importantes documentos e testemunhos vivos sobre o período entre guerras. Em 1951, publica a sua autobiografia, World Within World (1951), centrada sobre acontecimentos políticos, literários e passionais dos anos 1930 e que marcaram a sua vida. Viajante incansável, Spender é também autor de muitas narrativas de viagens, a última das quais, China Diary (1982), escrita em colaboração com David Hockney, é um relato vivo e ilustrado sobre um país que sempre foi para os ocidentais sinónimo de mistério.

Foi ainda tradutor, trabalhou para a Unesco, colaborou na fundação da revista Index on Censorship, e na Poetry Book Society e em muitas outras iniciativas, que lhe valeram várias distinções, entre as quais a nomeação, em 1965, de 17º Poet Laureate Consultant in Poetry da Biblioteca do Congresso (Congress Library) e o Golden PEN Award em 1995.

A filiação judaica de Spender (a mãe era judia), os seus ideais de esquerda e a sua oposição ao fascismo alimentam um ativismo social e político de uma vida e uma forte interdependência entre literatura e política. A sua poesia foi “descoberta” por T. S. Eliot, de quem foi amigo. É também conhecida a sua admiração e amizade por W. H. Auden, através do qual conhece Cristopher Isherwood. Os biógrafos de Spender destacam também o que alguns designam por “sexualidade ambígua”, outros por “bissexualidade”, um aspeto da vida privada do escritor que ainda hoje é objeto de animados debates.

Spender chega a Portugal em dezembro de 1935, juntamente com o namorado, Tony Hyndman (com quem vive entre 1935 e 1936), com Isherwood e o companheiro deste, Heinz Neddermeyer (cf. verbete sobre Isherwood) para se instalarem em Sintra. Durante o período de vida em conjunto, escrevem um “diário comum”, sem pretensões literárias, que começa por ser um livro de bordo, com anotações sobre a viagem de barco que fizeram desde Antuérpia até Lisboa. Trata-se de um diário aberto, com uma vertente hedonista e memorialista bem visível, tendo o original permanecido à guarda de Isherwood. Sessenta anos depois, Mathew Spender, filho de Spender, publica esse diário, juntamente com outro material epistolar e fotográfico alusivo a esse período. O livro vem a lume pela primeira vez em 2012, em italiano, com o título Il Diario di Sintra, e é traduzido para espanhol em 2017, Diario de Sintra, nunca tendo sido publicado em Inglaterra e nos EUA. Em Portugal, em 2017, no âmbito do Lisbon & Sintra Film Festival, uma sessão foi dedicada à leitura de excertos bilingues do Sintra´s Diary.

Na capa do Diario de Sintra constam os nomes de S. Spender, C. Isherwood e ainda W. H. Auden, embora o contributo deste último para o mesmo tenha sido quase nulo. Questões de marketing explicam, decerto, o destaque dado a Auden em detrimento do nome de Tony Hyndman, que assina várias páginas do diário de grupo (e a ele se devem as únicas dedicadas ao Porto, onde o barco fez escala; cf. infra Adenda), mas não é despiciendo pensar numa forma de homenagem ao porta-voz dos escritores e intelectuais dos anos 30. Numa extensa introdução ao Diario de Sintra, Mathew Spender refere-se a este livro como um “documento histórico”, dizendo que, ao contrário de outras obras do passado, ele expõe as relações de homossexualidade e a convivência entre pessoas de classes sociais bem distintas.

Stephen Spender não revela grande interesse por Portugal e pela cultura portuguesa e isso torna-se bem claro quando lemos o que escreve sobre Espanha e, sobretudo, sobre Barcelona. Em abril de 1936, numa carta a W.H. Auden, recém-chegado a Sintra, escreve: “España es preciosa y recomiendo mucho visitar Barcelona. Me gusta los españoles, el idioma, y la vida política es muy interesante, como occure en todos los países grandes que se encuentran al borde de una revolución.” (DS: 168).

A atitude de Spender em relação aos portugueses é, de um modo geral, a de turista britânico sobranceiro, que está de passagem, visitando alguns dos lugares que constam dos roteiros turísticos. Essa atitude de superioridade revela-se de imediato na relutância em aprender a língua portuguesa, ao contrário do que fazem Isherwood e Tony, apesar de este, à chegada a Portugal, dizer em tom chistoso: “El portugués es bastante fácil de leer pero difícil de pronunciar. Al hablarlo te vienen ganas de escupir.” (id: 66)

Spender sempre teve um grande fascínio pelas artes em geral (algumas das suas obras são interartísticas, com colaboração de artistas famosos como Henry Moore ou Kandinsky) e alguns trechos do diário provam-no. Depois de uma visita com Isherwood à Igreja de S. Vicente, descreve com minúcia alguns aspetos da Igreja, alongando-se nos claustros, e realça o facto insólito de aí encontrar um serviço utilitário como uma estação de correios. (vd infra Cit.). As suas observações deixam entrever uma pertinente crítica quanto à deficiente manutenção estatal do património artístico português. Por outro lado, alguns traços arquitetónicos do palácio de Sintra (“la capilla com su fabuloso techo de arabescos […] a cocina engastada de mayólicas moriscas blanco perla”; id.: 71) merecem-lhe o epíteto de “precioso”, mas sobre os móveis escreverá que “alcanzan el cumen del mal gusto” (ibid.).

Noutra página, Spender narra uma excursão de todos a Setúbal como se fizesse uma reportagem, justapondo traços antinómicos: a descrição, com alguns elogios, das colinas de Sintra, dos matizes cromáticos do céu e do mar; a fechar o texto (e a viagem?), a figura de um mendigo em lágrimas a implorar uma esmola.

Ao contrário de Isherwood, Spender presta mais atenção à situação política em Portugal. Nas páginas da sua autoria, há interessantes registos de rumores e informações que lhe chegam aleatoriamente. Cita-se, por exemplo, o que uma senhora inglesa diz sobre Salazar: “Pues, según se dice, el dictador ha hecho mucho para salvar el sistema financiero”. (id: 93). Em inícios de janeiro de 1936, numa passagem onde fala da sua intenção de escrever um livro político, pronuncia-se sobre o que lhe parece ser uma atitude ambígua de Portugal perante o fascismo italiano e a perseguição aos judeus. (cf. infra Cit).

Na biografia que John Sutherland lhe dedica, intitulada Stephen Spender: A Literary Life, o biógrafo atribui-lhe uma frase de síntese sobre Portugal, que Spender terá dito numa conversa com o amigo norte-americano, Benjamin Kerstein: “Portugal é ´a bloody Germano-Italo-Hispano Fascist Colony” (apud Sutherland 2005: 189; a frase terá sido retirada dos diários de Kirstein).

A 14 de março de 1936 Spender parte para Espanha e pouco mais de uma semana após ter partido de Sintra escreve uma carta a Hilda Weber Schuster, tecendo os maiores encómios a Barcelona e à sua cultura (a poesia, música, políticos), destacando um movimento de poetas catalães, autores da Antologia de poesia catalana, que encontra exposta em todas as livrarias. Nessa carta afirma: “Aquí hay muchos poetas valiosos” (DS: 156). E noutra carta a Schuster (de 2 abril), Spender manifesta a sua intenção de traduzir alguns dos excelentes poemas de autores espanhóis que leu, afirmando a sua concordância com o filólogo românico E. Robert Curtius (com quem privara em Berlim) que afirmara que os poetas de Espanha eram “quizá los mejores de Europa” (apud Diario de Sintra: 166). Concretizará esse desejo ao traduzir para inglês o poeta Miguel Hernandéz, da Geração de 27 e da Geração de 36.

Na autobiografia de Spender, A life wold within a world (1951), a passagem por Portugal é um lugar vazio. O autor dedicou poemas a Barcelona e a outras cidades europeias por onde passou, mas nenhum a Sintra. Sintra e Lisboa surgem, nos anos 30, como um desvio no seu percurso de viajante sem poiso certo, num mundo em convulsão, feito em nome da amizade que tinha para com Cristopher Isherwood e do valor da solidariedade que sempre o norteou. E é em nome da liberdade, da justiça e de outros valores democráticos – e quiçá por ter passado por Portugal – que, em 1973, é um dos assinantes do abaixo-assinado “Arrest of Portuguese Authors”, aquando do processo instaurado às autoras de Novas Cartas Portuguesas.

 

Passagens
Alemanha, Áustria, China, Espanha, E.U.A., Grécia, Portugal

 

Citações

«He conseguido retomar las lecciones de griego, las sigo por correspondencia con mi professor. Por ahora me niego a aprender portugués, cosa de la que se ocupan Christopher y Tony. Qué lengua tan fea. A menudo quisiera que estuviéramos en España, así podríamos aprender español. El portugués es extremadamente difícil de pronunciar, pero es tan fácil de leer que todos nos arreglamos con bastante facilidad y no tenemos periódicos en inglés […].» (DS: 84)

«Por la mañana, Christopher y yo exploramos Lisboa a fondo y fuimos a ver una iglesia que recomiendan todas las guías: San Vicente. Un gran edificio renascentista de ángulos rectos, del cual solo una parte, con dos torres, es la iglesia, mientras que el resto son claustros y dependencias hoy reconvertidas en oficina de correos y muchos otros lugares públicos […]. Llama a atención ver a las personas que hacen cola entre estos corredores monásticos para obtener certificados de distinta índole en la oficina de correos.» (id.: 88 e 89)

«Los portugueses parecen estar en contra de los italianos y también en contra de la persecución de los judíos. Sea como fuere, creo que aqui hay mucha propaganda italiana y nazi; de hecho, es uno de los países en que hay una Casa Parda, es decir, un cuartel general nazi. Aquí hay una dictadura sobre la que pueden oírse varias opiniones. En el caso de los émigrés, no creo que haya muchos, porque para que un alemán pueda quedarse en el país tiene que solicitarlo ante el cónsul de Lisboa (…)» (id.: 95).

«Portugal está poco industrializado y, en un viaje como el nuetro de hoy, pueden verse en los heniles, en los jardines y en los pozos de las aldeas muchas de estas máquinas primitivas, obra de artesanatos.
Hemos visitado el castillo, que parece un decorado de Macbeth, com una torre central cuadrada, un refectorio, grandes salones y una magnífica plataforma de piedra que mira al sur, hacia Setúbal. […] Hemos vuelto al coche y hemos passado entre las verdes colinas boscosas en dirección a Setúbal, la tercera ciudad más grande de Portugal y su mayor puerto pesquero. Cuenta con una gran avenida central, una playa desolada que apesta asquerosamente a pescado, fábricas de cemento e hilanderías, y no hay ni un solo hotel. Hemos almorzado en un club inglés […]. Los árboles son hermosos y los hay de todo tipo, del pálido esmeralda de los sauces a los eucaliptos» (id: 97-98)

«Um livro foi recentemente retirado das livrarias em Lisboa, poucos dias após a sua publicação, por agentes da polícia política. O volume em questão chamava-se Novas Cartas Portuguesas (…). No ano da celebração de 600 anos da Aliança Anglo Portuguesa, nós os abaixo-assinados, sentimo-nos especialmente responsáveis pelo estado das nossas colegas escritoras em Portugal e (…) desejamos protestar contra a situação na qual Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta se encontram.»

Ruth Fainlight (…) Doris Lessing, Iris Murdoch, Edna O´Brien (…) Stephen Spender (…) e Anne Wollheim. (Excerto da carta publicada em The Times, 29.03.1973, apud Amaral e Freitas 2014: 270-271)

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ADENDA
Excertos da página do Diario de Sintra, de Tony Hyndman sobre o Porto, datada de 16 dezembro 1935:

«A la ida hemos visto casas con las fachadas repletas de baldosas de todos los colores, franjas de playa y rocas, olas del océano y aceras de mosaico. Las mujeres corrían aprisa por las calles cargadas con pescado y demás cosas en la cabeza, agitando el trasero de un lado para otro al moverse. Toda la escena era una masa de movimiento y color que combinaba paisajes chinos con la pradera mexicana.
Más tarde, ya cerca de la ciudad de Oporto, hemos visto hileras casi indescriptibles de casas con ropa de colores colgada en las ventanas y en los tendederos de los balcones. Los tejidos, sobre el fondo de baldosas azules, amarillas, rojas, verdes y blancas de las casas, convertían la escena en un sueño de animación y color.
La verdade es que a duras penas se percibían el estado de abandono de los edificios y la evidente pobreza de sus habitantes, aunque esto hacía que el conjunto fuera aún más pintoresco.» (p. 49)

«Hay personas muy guapas, con caras más bien ovales y piel aceitunada. Tienen ojos agudos y relucientes como los de los gitanos. Solo hay una cosa que no cuadra, y es algo que he notado en muchos pueblos del sur. Los dientes. Feos con avaricia. Quizá por culpa del agua o de la comida. Una lástima.» (pp. 50-51)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

SPENDER, Stephen (1977), World Within World. The Autobiography of Stephen Spender (1951), London, Faber & Faber.

SPENDER, Mathew (2017) (ed.), S. Spender, C. Isherwood, W. H. Auden. Diario de Sintra (Diciembre de 1935-agosto de 1936), Gallo Nero Ediciones. (Abrev. DS)

Bibliografia Crítica Selecionada

AMARAL, Ana Luísa; FREITAS, Marinela (2014) (orgs.), Novas Cartas Portuguesas. Entre Portugal e o Mundo, Lisboa, D. Quixote.

SUTHERLAND, John (2005), Spender, Stephen: A Literary Life, Oxford, University Press.

 

Maria de Lurdes Sampaio

 

Como citar este verbete:
SAMPAIO, Maria de Lurdes (2020), “Stephen Spender”, in Ulyssei@s: Enciclopédia Digital. ISBN 978-989-99375-2-9.
https://ulysseias.ilcml.com/pt/termos/spender-stephen/