António Pedro

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António Pedro

(1909-1966)

Poucos outros criadores portugueses do século XX terão conhecido uma tão intensa experiência da “deslocação” como António Pedro. Esta “deslocação” manifestou-se não só no sentido familiar – com raízes no Alto Minho, mas também na Irlanda e País de Gales – ou espacial – num invulgar périplo cosmopolita, entre a Cidade da Praia, Cabo Verde, onde nasceu e aonde por duas vezes regressaria, La Guardia, Viana do Castelo, Coimbra, Lisboa, Paris, São Paulo e Rio de Janeiro, Londres, Porto e Moledo do Minho, onde viria a falecer –, mas também no domínio da própria criação: em pouco mais de 40 anos de atividade criativa, António Pedro foi escritor (poeta, novelista, dramaturgo, tradutor, jornalista, teatrólogo), artista plástico (desenhador, pintor, ceramista, fundador de galerias, organizador de exposições) e homem de teatro (encenador, cenógrafo, formador de atores, diretor de companhias), tendo trabalhado nos mais diversos meios de comunicação, dos jornais e revistas à rádio e televisão. Entre os estudiosos da sua obra plural, Fernando Matos Oliveira foi talvez aquele que melhor sublinhou a profunda implicação da “deriva geográfica” – Luiz Francisco Rebello prefere falar em “exílios” – na multiplicidade e na rápida sucessão de iniciativas, de projetos e até de estilos e modos de ver o mundo que acompanharam o trajeto de António Pedro.

No Colégio de Jesuítas, de La Guardia, onde fez parte do liceu, entrou em contacto com a arte da representação teatral, à qual viria a dedicar quase exclusivamente os últimos 16 anos da sua vida. A experiência de África – onde regressaria por mais três vezes (Cabo Verde, entre 1928-29, Moçambique e África do Sul, em 1939) – faz-se sentir em alguma da sua produção poética, como Diário. Entre 1933 e 1935, é a vez de Paris – “Minha cidade enorme e sereníssima das ruas largas” –, onde frequenta algumas aulas na Sorbonne e cidade que lhe proporciona o contacto com grupos de vanguarda e algumas das mais importantes personalidades literárias daquele tempo. Aí é subscritor do “Manifeste Dimensioniste”, que depois traduzirá e publicará em Portugal, e do “Manifeste Planiste”, de Charles Sirato. É também em Paris que, entregue a uma intensa experimentação, expõe no “Salon des Surindépendents”, escreve e publica 15 Poèmes au hasard, tirando partido das possibilidades espaciais e das virtualidades plásticas do projeto dimensionista, e sofre a inflexão surrealista que lhe garantirá uma participação especial na fundação e nas atividades literárias e exposições do Grupo Surrealista de Lisboa, em finais dos anos 40. É em Paris, ainda, que escreve o seu primeiro texto dramático, Théâtre: Comédie en un acte. A breve passagem pelo Brasil, em 1941, permite-lhe dar a conhecer o seu trabalho pictórico, através de exposições no Rio de Janeiro e em S. Paulo, atraindo a atenção de Guiseppe Ungaretti. O “exílio” em Londres, entre 1944-45, ficará marcado pelas suas “Crónicas das segundas-feiras” aos microfones da BBC – “na hora própria, a voz de todos os portugueses que não esqueceram a sua condição de europeus e de cidadãos do mundo”, nas palavras de Adolfo Casais Monteiro, que lhe dedica o seu poema “Europa” –, mas também pela continuidade das suas ligações ao meio surrealista – participando na exposição “Surrealist Diversity” – e ao teatro, colaborando em programas de teatro radiofónico do London Transcription Service, da BBC, e tendo a oportunidade de assistir, como antes em Paris, ao trabalho das grandes companhias e dos grandes atores.

Depois de muitos anos tendo Lisboa como epicentro da sua diversificada atividade, e após um breve retiro em Moledo do Minho, António Pedro encontrará no Porto – “uma cidade de província que pertence à Europa” – o espaço para um seus mais significativos contributos para a cultura nacional, no seu duplo papel de diretor de uma companhia de teatro e encenador. Será no Teatro Experimental do Porto, entre 1953 e 1961, que o criador encontrará o espaço possível para tentar pôr em prática uma radical renovação de repertórios e de práticas cénicas, que vinha ensaiando, em escritos e em experiências concretas, desde os anos 30 e 40. Na opinião de Fernando Matos Oliveira, “como encenador, António Pedro anunciou em termos definitivos a emancipação artística que caracterizará o devir do teatro experimental e independente em Portugal, logo a partir dos anos sessenta. É sobretudo neste plano que se pode falar num antes e depois do TEP”. Nos domínios vários da programação – na qual se destaca a abertura ao vasto repertório clássico, moderno e contemporâneo em língua inglesa, de Shakespeare e Ben Jonson a Synge e Eugene O’Neill, Steinbeck e Arthur Miller –, da cenografia, da formação e direção de atores, da teorização – o seu Pequeno Tratado de Encenação, publicado em 1962, é uma obra única na história do teatro português – António Pedro esforça-se por ultrapassar o sistémico atraso da prática teatral em Portugal, ao mesmo tempo que, de forma inequívoca, afirma: “A encenação é uma arte e não pode deixar de ser um artista o encenador”.

 

Passagens

Portugal, Irlanda, Inglaterra, França, Cabo Verde, Moçambique, África do Sul.

 

Citações

Chamo-me António Pedro da Costa. Nasci em 9 de Dezembro de 1909, na cidade da Praia, em Cabo Verde, filho de pais europeus. Meu avô paterno era minhoto, armador e capitão de navios. Minha avó materna era irlando-galesa, Power Savage, sobrinha, suponho eu, do poeta romântico Savage Landor. Esta metade galaico-minhota e irlando-galesa do meu sangue faz-me gostar de gaitas de foles, de instrumentos de percussão e da conquista do impossível. Como meus tataravós celtas, se eu pudesse, atiraria setas ao sol. Minha família, no entanto, é de gente burguesa e bem-pensante. Nenhum familiar foi propício ou sequer favorável às minhas actividades artísticas e literárias, consideradas desde sempre, e muito bem, como um mau prenúncio certo. “Il faut décourager les artistes”. Na luta contra as ideias, os gostos e o estilo de vida da minha família, temperou-se uma vocação irresistível que, se o não fosse, não persistiria em manifestar-se. Não creio que possa ser dada a um artista melhor educação.
(Teatro Completo: 301; de uma carta “autobiográfica” enviada ao Dr. Lopes de Oliveira, a pedido deste, datada de 10 de Outubro de 1955)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

PEDRO, António (1981), Teatro Completo, coord. António Brás de Oliveira, Biblioteca de Autores Portugueses, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
–––– (1997), Pequeno Tratado de Encenação [1962], Lisboa, INATEL.
–––– (1998), Antologia Poética, introdução, selecção e notas de Fernando Matos Oliveira, Obras Clássicas da Literatura Portuguesa Séc. XX, Braga e Coimbra, Angelus Novus.
–––– (2001), Escritos sobre Teatro, introdução, selecção e notas de Fernando Matos Oliveira, Coimbra, Lisboa e Porto, Angelus Novus/Cotovia/TNSJ.

Bibliografia Crítica Selecionada

FRANÇA, José-Augusto (2007), O Essencial sobre António Pedro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda.
OLIVEIRA, Fernando Matos (1998), “Introdução” e “Bibliografia Selectiva”, in Antologia Poética, pp. IX-LI.
–––– (2001), “Introdução”, “Bibliografia selectiva” e “Biobibliografia teatral de António Pedro”, in Escritos sobre Teatro, pp. 7-52.
PORTO, Carlos (1997), O TEP e o Teatro em Portugal: Histórias e Imagens, Porto, Fundação António Eugénio de Almeida, pp. 49-59.
REBELLO, Luiz Francisco (1981), “Retrato incompleto de um homem de teatro incompleto”, prefácio a Teatro Completo, pp. 9-28.

 

Filmografia

PÊRA, Edgar (2001), O Homem Teatro: vizzita meteorhyka à kazza-muzzeu do excelentíssimo senhor artista António Pedro da Costa.

Pedro Gonçalves Rodrigues (2011/11/15)