Nilsson, Henrik

pdf

Nilsson, Henrik

(1971- )

Henrik Nilsson nasceu em 1971 em Malmö, no sul da Suécia. Publica críticas literárias em diversas revistas e jornais na Suécia, sobretudo no Sydsvenskan e no estrangeiro, incluindo na Telhados de Vidro em Portugal e em algumas revistas latino-americanas. Participa também no programa de rádio Obs da rádio sueca P1. Iniciou a sua atividade literária com a publicação, em 1993, de um volume de poesia experimental. A sua obra posterior tem a ver com estadas do autor em Portugal, onde permaneceu alguns anos com estudante, e na Turquia. Em 2006 publica uma antologia de contos cuja ação se passa em Portugal, Nätterna, Verónica [As noites, Verónica] e em 2007 um longo poema Om det regnar när du kommer till Istanbul [Se chover quando vieres a Istambul]. Também traduz autores de expressão portuguesa e espanhola, como Fernando Pessoa, Manuel de Freitas, Francisco Ruíz Udiel.

A antologia de contos foi publicada em Portugal em 2010, pela Editorial Presença, com o título Um piano em Sesimbra, o título de um dos contos. Optou-se por não utilizar o nome do conto que consta na versão original por o título escolhido ser mais apelativo para um leitor português que não conhece o autor. São sete contos que têm, direta ou indiretamente, a ver com Lisboa, ainda que um se passe essencialmente em Moura e outro em Sesimbra. As figuras são todas portuguesas, não se trata portanto de olhares estrangeiros sobre o Outro português, como acontece em muitos textos de autores estrangeiros, que escolhem Portugal como cenário para as suas ficções. Nilsson centra-se sobre situações do dia-a-dia, sobre a morte, o amor, a linguagem, a solidão e a melancolia, questões existenciais de quem anda à procura de um sentido para a sua vida quotidiana. A linguagem simples e cativante convidam o leitor a uma leitura lenta, como lentamente a ação dos contos vai avançando.

No primeiro conto, “A última estação” (11-45), um escritor lisboeta, Mário, foi convidado para uma leitura em Beja. Mas adormeceu e só acordou no fim da linha em Moura, já não havendo outra ligação nesse dia. Também não encontrou onde ficar. Por mero acaso, encontra um invisual que o leva a uma sessão da Associação Mourense para a Narração Nocturna, cuja atividade é numa noite por mês narrarem até ao amanhecer. O tema dessa noite é “Perder-se”. Mário, a viver momentos de solidão e sentindo-se perdido naquele Alentejo tórrido, encontra companhia entre aqueles homens e mulheres unidos à volta de narrações sobre o perder-se. A realidade encontra a ficção. O leitor segue três dos contos dessa noite, mas também as discussões geradas à volta deles.

O segundo conto é o que dá o nome na edição sueca, “As Noites, Verónica” (46-57). Eduardo, doente, sabendo que está em fase terminal, continua a escrita de um trabalho sobre Bartolomeu Dias, o que o leva a investigar, sobretudo à noite, na Sociedade de Geografia. Aí conhece Verónica, a empregada de limpeza angolana, com quem conversa um pouco todas as noites, muito à volta da solidão, da doença. São, como diz Verónica, “as nossas noites”, aquelas em que dois seres humanos conversam, quebrando assim o isolamento. Já no terceiro conto, “Aconselhamento espiritual” (58-70), o narrador centra-se sobre a necessidade das pessoas ter o apoio das outras. Paula consegue um trabalho temporário que consiste em atender os telefonemas para o Professor Nangula, astrólogo, cientista, curandeiro e espiritista, enquanto este está em Angola. Impotente, Paula ouve pacientemente os desabafos e queixas dos clientes, até que vai ter com uma cliente que simplesmente quer alguém para a acompanhar a um determinado sítio. O quarto conto, “Cargueiros” (71-81) narra as deambulações de Carlos Monteiro, um despachante perto da falência. A sua Lisboa é marcada pela decadência, pelos armazéns velhos. É como se a sua situação se objetivasse nos cafés, ruas, instalações portuárias. O seu grande feito é ter conseguido entrar no cargueiro Esther, de pavilhão turco, onde consegue roubar um pequeno espelho, que depois junta aos muitos que tem num velho armazém inútil, pertença da sua firma.

“Um piano em Sesimbra” (82-90) centra-se sobre o Sr. Da Costa, viúvo, que todos os sábados se desloca a Sesimbra e vai comer sempre ao mesmo restaurante, de onde se ouve música de piano vinda de uma janela. Até que um dia a música desapareceu, aumentando a solidão da velha personagem. Já em “O terramoto” a situação é diferente: Sérgio, vendedor de canais de televisão por telefone, imagina o terramoto de 1755 e num dia de folga visita as zonas por ele afetadas, por “imundos restaurantes […], os escritórios que pareciam agências funerárias, as entradas das pensões com buracos nas escadas.” (95) Os lisboetas que observa permitem-lhe visões disfóricas, levando-o a divagar sobre a vida: “Somos como pérolas num colar que se soltaram e caíram para o chão, a rolarem cada uma para o seu lado. Não somos livres, somos soltos” (97). Povoa a reconstituição do dia do terramoto na história de Teresa e seu amante Luís, ambos dizimados em tal malfado dia. A pergunta que se põe é “Porquê?” E, sem resposta, imagina um novo terramoto.

O último conto é “O silêncio de Adriana” (107-121). Adriana estava farta de morar na Amadora, “cidade onde nada acontecia, nunca, farta da bisbilhotice dos vizinhos, desta casa, desta cozinha onde agora estava a lavar os pratos do pequeno-almoço” (107). O marido ia para o trabalho, ela, com baixa, ficava em casa, numa rotina que não a preenchia. Como algumas outras figuras deste autor, ela procura as suas resistências, as possíveis. Havia dias que não falava com ninguém. E pensa no envelhecimento: “O envelhecimento é a forma que o tempo tem de nos tocar” (110). Como reação a esta ausência de sentido, a esta solidão, decide ir a Lisboa, sem lavar a loiça: “Amadora que vá para o inferno, pensou enquanto corria pela escada abaixo. António que vá para o inferno, que tudo isto vá para o inferno” (115). Deambula solitária no meio das multidões, pelas ruas silenciosas: “O silêncio de Adriana tinha-se tornado o silêncio de todo o mundo” (120).

Os contos são episódios, não se fecham, o leitor não sabe o que vai acontecer às figuras que o acompanharam durante uns momentos. Momentos da vida de figuras nem sempre bafejadas pela sorte, com vidas sem grandes horizontes, mas com grandes interrogações, que, contudo, as figuras nem sempre colocam e se o fazem, deambulam pelos pensamentos sem chegarem a meta nenhuma. A linguagem, simples e pictórica, acompanha os conteúdos, a melancolia, a tristeza, mas também os sorrisos, acompanhando sempre de muito perto as perspetivas das figuras.

 

Passagens

Suécia, Portugal, Turquia.

 

Citações

Do outro lado da janela da carruagem a paisagem seca do Alentejo deslizava. Há algum tempo que não viajava por estas terras e era bom ver as oliveiras cintilantes, a luz da tarde que dava aos sobreiros um rubro brando, os atalhos que era melhor evitar e os montes isolados com as suas velhas capelas eremitas. Alguns melharucos pairavam no céu com uma elegância intemporal. Era difícil imaginar que o Atlântico se encontrava a alguns quilómetros desta paisagem tórrida, onde cada árvore parecia poder incendiar-se a qualquer instante. Tão bom saber que, no entanto, este castanho todo não estava longe do azul. (11)

Pagou ao condutor e ficou de pé no corredor entre os assentos, uma vez que não havia lugares livres para se sentar. Quando o eléctrico estremecia nas curvas sentia-se como se estivesse a bordo de um frágil navio exposto a bruscas rajadas de vento. Através de uma janela vislumbrou o Tejo, da mesma maneira como vislumbramos uma antiga paixão numa multidão antes de voltar a desaparecer novamente. Paula adorava vê-lo daquela forma, como uma faixa azul-turquesa entre duas paredes de casas tão próximas uma da outra que os pombos mal tinham tempo de estender as suas asas entre elas. Apenas poder sentir a sua imensa presença, sobretudo nos dias quentes de Verão, quando o rio corria pela cidade como uma mão refrescante por uma testa febril. (63)

Finalmente o comboio parou na Estação do Rossio. Adriana seguiu a corrente de pessoas que desapareceram para lá das portas da carruagem, pelas escadas rolantes abaixo e para a rua. Ocorreu-lhe que a luz aqui era mais intensa, como se a Primavera tivesse chegado a Lisboa antes de chegar aos seus arredores. Não estava habituada a estar entre tanta gente, tantos autocarros e tantos táxis como agora na Praça dos Restauradores. A alta velocidade de tudo em seu redor parecia-lhe ao mesmo tempo estimulante e cansativa. Depois de quase ter chocado com várias pessoas, lembrou-se de navegar à volta delas. Quando saiu no passeio largo do Rossio sentiu o bom que era ter deixado para trás o ar com a falta de oxigénio do subúrbio, envenenado por mexericos e desaprovações não pronunciadas. Tudo era de repente tão fácil na luz primaveril. A praça, cheia de vendedores e turistas, fervia com vida e movimento. (116-7)

 

Bibliografia Ativa Selecionada

NILSON, Henrik (2010), Um piano em Sesimbra, tradução de Ulla Baginha, Lisboa, Editorial Presença.

 

Gonçalo Vilas-Boas (2011/11/14)