Venâncio, Fernando

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Venâncio, Fernando

(1944 – )

Fernando Venâncio pertence ao grupo de intelectuais portugueses que se situam na fronteira entre o mundo académico, como professor universitário e crítico literário, e o mundo da criação literária. Este escritor português, em permanente «deslocação», nasceu em Mértola em 1944 e frequentou os estudos primários em lisboa e o ensino secundário no Seminário da Falperra em Braga. Estudou Filosofia em Vila Nova de Ourém e Teologia em Lisboa.

A sua primeira «deslocação», para fora do país, iniciou-se em 1970 através da sua «fuga» para a Holanda depois de ter sido destacado como oficial militar na Guiné, o que seria, segundo ele, uma aventura indesejável com «alguns aspectos de suicídio». Assim, fixou-se em Amsterdão, sem perder o contacto com Portugal, vindo a licenciar-se em Linguística Geral na Universidade da capital holandesa em 1976. Dois anos depois, começou a sua actividade académica no Departamento de Estudos Portugueses em Nimega. Em 1984, transitou para a Universidade de Utreque, regressando, em 1988, à Universidade de Amesterdão, onde se doutorou em 1995 com a dissertação Estilo e Preconceito. A Língua Literária em Portugal na Época de Castilho (1998). Traduziu do neerlandês a colectânea de poesia Uma Migalha na Saia do Universo (1997) e Um Almoço de Negócios em Sintra (1999) de Gerrit Komrij. Tem colaborado como cronista e crítico literário em várias publicações, das quais se destacam o Jornal de Letras, as revistas Ler e Colóqio/Letras e o jornal Expresso.

Como crítico literário esteve no centro de uma polémica, em 2001, com Eduardo Prado Coelho e Eduardo Pitta, entre outros, onde se esgrimiram argumentos sobre ensaísmo e crítica literária com troca de palavras pouco usuais na pacata intelligentsia portuguesa.

A sua relação com o tema da «deslocação» na criação literária, iniciou-se precisamente com a publicação de Quem Inventou Marrocos. Sendo admirador e visitante assíduo deste país do Magreb, Fernando Venâncio escreveu três diários de viagem, datados de 1988, 2001 e 2002, que se reuniram nesta obra publicada em 2004, enriquecendo a bibliografia dos relatos portugueses de viagens no espaço marroquino. Embora possamos encontrar uma linha de continuidade com os anteriores relatos, nomeadamente no que diz respeito aos temas, tal como, o pitoresco, “a cor local”, a “evocação do passado português em Marrocos” e “a peregrinação às praças portuguesas no norte de “Africa”, a verdade é que esta obra de Fernando Venâncio traz, inegavelmente, um cariz inovador ao discurso narrativo (Suisse, 2006). O narrador-personagem de Quem Inventou Marrocos actua com representações prévias, imagens que pretende confrontar com uma percepção em directo, ou seja, serve-se da sua viagem para realizar um movimento simbólico de aproximação ao espaço do Outro (Leal, 2006).

 

Passagens

Portugal, Holanda, Marrocos.

 

Citações

Em Amesterdão, é-me habitual topar no olhar de marroquinos a pergunta de se não serei um deles. De resto, orgulha-me pensar que remotos avós meus atravessam o Estreito e foram fazer de Mértola uma terra que se visse. (Quem inventou Marrocos, 17).

Estranha coisa: a persistente imaginação lusitana, e o filme de Oliveira, colocam-na no deserto, quando o deserto dista centros de quilómetros daqui. Toda a metade norte de Marrocos é verde, bem mais verde do que nosso, esse, sim desértico, Alentejo. (idem, 39).

Calhou-me hoje um dia português. Os nossos ancestrais andaram fortificando a costa de África, e deixaram feitas em Mazagão (actual El-Jedida, “A Nova”) e em Azamor valentes praças.” (Idem, 23). “Ifrane fica a cinquenta quilómetros de Fez, para sul, mas entra-se, aí, num outro país. É a cidade mais elevada, a 1650m, e por certo a mais moderna de Marrocos. Pela arquitectura, pela altitude e vegetação, e já agora pela temperatura e pela limpeza, pode imaginar-se a gente na Suiça. (…) Foi em Ifrane que a cooperação árabe ergueu uma universidade, a de Al Akhawayn, ‘Os Irmãos’, de excelente fama, onde a língua corrente é o inglês… (idem: 48).

 

Bibliografia Ativa Selecionada

VENÂNCIO, Fernando (2001), El rei no Porto, Porto, Edições Asa.
—- (2004), Quem inventou Marrocos, Gaia, Editora Ausência.
—- (2008), Último Minuete em Lisboa, Lisboa, Assírio & Alvim.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

LEAL, Maria Luísa (2006), «Mais denso que a água e com escasso poder flutuação: questões de focalização narrativa na tragédia do Estreito de Gibraltar» in Cadernos de Literatura Comparada 14/15: Textos e mundos em deslocação, Tomo 1. Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa / Edições Afrontamento.
SUISSE, Abdelilah (2006), «Estereótipos de Marrocos nos relatos portugueses de viagens» in Cadernos de Literatura Comparada 14/15: Textos e mundos em deslocação, Tomo 1. Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa / Edições Afrontamento.
—- (2008), «Continuidade e descontinuidade em Quem inventou Marrocos de Fernando Venâncio» in Cadernos de Literatura Comparada 18: Viagens. Porto, Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa / Edições Afrontamento.

 

Abdelilah Suisse (2009/04/17)