Almeida, Onésimo Teotónio

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Almeida, Onésimo Teotónio

(1946)

Natural de São Miguel (Açores), reside desde 1972 nos Estados Unidos, onde se licenciou (1976) e doutorou em Filosofia (1980) na Brown University, Providence (Rhode Island). Desde então, aí tem lecionado nas áreas da Filosofia, da Cultura e da Literatura, tendo inclusivamente inaugurado, ainda na década de 70, uma cadeira de literatura açoreana.

No quadro das atividades do Departamento de Estudos Portugueses e Brasileiros da Universidade de Brown, que dirigiu durante vários anos, foi fundador da editora Gávea–Brown e de uma revista homónima, tendo desde o início imprimido a essas iniciativas editoriais, que aliás se mantêm ativas desde 1980, o propósito estratégico da divulgação da cultura portuguesa, segundo as “suas diversas ramificações”, no espaço americano e anglófono, mediante a publicação de traduções de literatura portuguesa, de trabalhos na área dos estudos portugueses (a Onésimo Teotónio Almeida se devem, por exemplo, várias iniciativas em prol da divulgação e do estudo da obra de José Rodrigues Miguéis, tanto na América como em Portugal) e ainda de textos criativos de temática luso-americana, escritos em português ou em inglês.

Além dos múltiplos ensaios ligados à sua formação académica, Onésimo Teotónio Almeida mantém, há mais de trinta anos, uma atividade literária que se estende da “crónica”, ao “prosema”, passando pelas “estórias”, pelo ensaio e mesmo pelo texto dramático, num entrelaçar contínuo de realidade e (alguma) ficção, captadas a maior parte das vezes com o óculo vivaz do humor.

A despeito de algumas reservas que o escritor expunha há uns anos atrás – “Pedem-me com frequência de Portugal que escreva uns artigos ou ensaios mais ou menos de divulgação a dar notícia do que no campo das ideias vai sendo publicado nos Estados Unidos. Raramente acedo. Para além dos desfasamentos culturais que dividem os interesses temáticos e as linguagens dos mundos anglo-americano e europeu continental, é muito complexo o universo das modas intelectuais. No caso português, complexíssimo” (Onésimo, 2002:133) – o seu papel de mediador tem sido tão constante quanto relevante, não apenas entre as culturas portuguesa e americana, como também entre códigos e referências socioculturais distintas.

Nas crónicas ou estórias em cont(o)exto de Onésimo Teotónio Almeida tanto se pode encontrar a referência a um ensaio recente de sociologia ou de filosofia, a alusão a circunstâncias da política ou da universidade americanas, como as mais variadas impressões de viagem e/ou de encontros de um professor universitário, muitas vezes em (literal) trânsito entre continentes, a menção jocosa a qualquer anúncio publicitário, ou ainda histórias do quotidiano dos emigrantes portugueses na América. Esta diversidade e quando não mesmo heterodoxia resultam da porosidade versátil do comunicador nato que é Onésimo Teotónio Almeida, para além de não serem de todo alheias à multiplicidade de solicitações a que o autor tem correspondido ao longo dos tempos: desde as múltiplas colaborações na imprensa – de um e de outro lado daquele que, para ele, já é (apenas) o Rio Atlântico – , às suas regulares intervenções na rádio e no programa cultural que mantém na televisão, bem assim como às frequentes intervenções em Encontros Internacionais, um pouco por todo o mundo.

Por natureza e convicção atento a tudo aquilo que o rodeia, Onésimo Teotónio Almeida tem-se dedicado a uma escrita circunstancial, ciente no entanto das grandes questões que subjazem à “espuma dos dias”, e que ele aborda com observações implacáveis mas de um modo deliberadamente humorado, por contraste ou mesmo por antídoto à “sisudez” e à “tristunhice” que costumam ser atribuídas (por fama e algum proveito) à generalidade dos portugueses.

De sublinhar que este autor foi dos primeiros a debruçar-se sobre a vertente sociocultural da diáspora portuguesa na América e da subsequente comunidade luso-americana, retratando-as como seu “cronista-mor”, sob o pano de fundo de um espaço, simultaneamente real e imaginário, que ele próprio batizou, em 1975, de L(USA)lândia. Essa topografia semi-imaginária da emigração portuguesa nos EUA viria a ser alvo de especial recorte literário em (Sapa)teia Americana (1983), e mais tarde retomada em L(USA)lândia: a décima ilha, um livro que retoma muitas das suas crónicas e entrevistas dispersas sobre o assunto.

Ainda que seja possível reconhecer uma evolução no universo da sua escrita, designadamente a nível da relação com a realidade circundante, cada vez menos a do “mundinho da L(USA)lândia”, entretanto também ele já distinto da radiografia que dele fizera o autor nos idos de 70 (vd. a propósito “(Bate) papo” in Viagens na Minha Era), Onésimo Teotónio Almeida continua a ser um escritor “de terreno intermédio”, de flutuação genológica e estilística; um reinventor da crónica; um ensaísta português residente no estrangeiro, mais talvez do que emigrado ou expatriado, que persiste em abalar clichés de uma e de outra margem do Atlântico e em frisar “as razões da diáspora que Portugal não entende”; um ilhéu viajante, no sentido literal e metafórico do termo, entregue ao ofício e à paixão do(s) conhecimento(s); um romancista adiado; um acumulador de experiências, de “memórias de momentos” que o próprio (auto)reflete como quem sempre acrescenta um conto ao texto da realidade.

 

Passagens

Portugal, EUA, Canadá.

 

Citações

Se tarde de domingo é sinónimo de chateza, aquela era-o mais vezes. Pouco menos de um ano de América, e para mais de L(USA)lândia, ainda não a tinha feito tragável ao Jorge, imigrante de fugir à guerra de África e aos caos da Universidade portuguesa. O Mustang de quarta mão bocejou pelas ruas de Riverville em cata de acontecer algo e parou ali rente ao Ilhas Sport Club, onde a única fonte de Hipocrene jorrava expresso, a bica da praxe, pois não é impunemente que se estuda em Lisboa. Mas o Jorge não entrou pela bica, que não era fortuna. A máquina, italiana de gema, havia já perdido a pronúncia. O Jorge tinha sede do cheiro de um paleiozinho daqueles de se falar e se pensar no que se vai dizer a seguir quando o outro acabar de vender o seu peixe. ((Sapa)teia Americana, p. 89)

A grande maioria da população americana vive hoje em zonas suburbanas. Esses bairros foram sendo alargados com peso, medida e conta, para permitirem sossego a quem lá regressa ao fim do dia, sobretudo necessários àqueles que ainda trabalham nos downtowns. Essa América não vem nos filmes. É cheia de árvores e ruas largas, onde nada parece acontecer. Apenas em algumas delas a actividade comercial é autorizada.
Ao pisar a América pela primeira vez, precisamente num desses bairros em Providence, Vergílio Ferreira disse-me surpreendido pelo inesperado: «Mas desta América até eu gosto!” E como não havia de gostar vindo de uma Lisboa onde todos têm de correr, quer queiram quer não?!
[…] Sobrevoando o Atlântico, leio António José Saraiva numa entrevista só agora publicada. Repete o lamento de o português achar sempre que o estrangeiro é melhor. Estou avisado. Já Fernando Pessoa apontara essa péssima forma de ser provinciano. Mas não creio correr perigo, porque eu volto sempre por gosto. Volto para reencontrar o Portugal e a Lisboa que deixei. Há porventura luz mais bela que a de Lisboa (quando a gente a consegue ver sem fumos de tubos de escape)?! Sobretudo se a apanho pelas tardes a iluminar os meus ângulos predilectos […] Mas depois deste sprint, confesso-me rendido: estou inquieto por chegar à paz de Nova Iorque.
Lá, até os tiros são silenciosos. (Rio Atlântico, pp. 66-67)

Não tenho saudades dos Açores porque não me recordo de ter de lá saído. Como já escrevi algures, não se regressa a de onde nunca se partiu.
Daqui de Providence vejo os Açores-terra ali mesmo quase a meio do rio Atlântico, mas os Açores ultrapassam a sua geografia. A décima ilha, a L(USA)lândia, fica este lado de cá, rodeada de continente americano por todos os lados. O big bang da emigração pôs o Corvo em Vancouver e muitas Flores pela Califórnia fora. Aí pelo rectângulo continental da prática a Europa além espalhou igualmente monte de ilhéus Formigas. Os aviões, a Internet e os livros, que em catadupa saltam das crateras e da experiência ilhoa, fazem viagens regulares, frequentes e intensas entre este arquipélago do coração.
Hoje, o mar está lá só para não estragar o cenário. (Viagens na Minha Era, p. 160)

O Maine é a costa. David Henry Thoreau discordaria talvez. O Maine dele era o interior imenso, espesso e verde dos pinheiros e das spruce trees, elmos, maples, evergreens sem fim, do Mooshead Lake e dos outros dois mil e setecentos lagos, e mais o Mount Katahdin, seu Fujiyama sagrado. O Maine de um insular, porém, é o da orla costeira. […] Aqui o mar é ternurento, deixou-se enredar por meandros de terra rochosa que lhe fizeram perder a força e amainar as ondas. […] Os carneirinhos brancos, que na minha infância açoriana polvilhavam o azul cinzento do mar bravo, são aqui velas de barcos para todos os bolsos, de gente em férias, porque este mar não embravece a sério. Nos interiores protegidos, está visto. Por isso, qualquer um, endinheirado bastante para comprar embarcação, pode ser marinheiro. De água doce. Ou quase. Embora isso da facilidade de se adquirir um barco tenha os seus limites. Na sala da casa em Juniper Point, sobre o vetusto sofá, um quadro ostenta a definição de barco de recreio: Um buraco na água rodeado de madeira, dentro do qual se vaza o nosso dinheiro. (Aventuras de um Nabogador & outras estórias-em-sanduíche, pp. 163-164)

Não acredito que o futuro ditará o fim do livro. aqui em Providence o que tem acontecido nos últimos anos é uma autêntica explosão de livrarias, algumas delas descomunias. De Portugal, leio reportagens deprimentes sobre a sua evaporação pelo país inteiro. Mas em Lisboa multiplicam-se os bares e, nos jornais, há já quem se ufane da velocidade a que nos aproximamos do nível de vida nocturno de Madrid. Ao menos para uma camada considerável o mal não está pois no poder de compra. Nem na falata de tempo.
Visto de outra perspectiva, não será caso para alrme. O café foi sempre um grande foco de cultura e esta sua metamorfose em bar até se encaixa melhor na nossa grande tradição do bar…oco. (“Deus nos livro!” in Onésimo. Português sem Filtro, pp. 232-233.

 

Bibliografia Ativa Selecionada

ALMEIDA, Onésimo Teotónio (1975), Da Vida Quotidiana da L(USA)lândia, Coimbra, Almedina.
—- (1991), Ah! Mónim du Corisco! [1978], Ponta Delgada, Eurosigno Publicações Lda.
—- (1983), (Sapa)teia Americana, Lisboa, Editora Vega. [2ª ed. Círculo de Leitores, 2001] —- (1984), José Rodrigues Miguéis: Lisbon in Manhattan, ed. Onésimo T. Almeida. Providence, R.I.: Gávea-Brown [ed. portuguesa: Editorial Estampa, 2001] —- (1987), L(USA)lândia: a décima ilha, Angra do Heroísmo, Direcção dos Serviços de Emigração.
—- (1994), Que Nome é esse, Ó Nézimo? e Outros Advérbios de Dúvida, Lisboa, Salamandra. [2ª ed. 2001] —- (1997), Rio Atlântico, Lisboa, Salamandra.
—- (2001), Viagens na minha era – Dia-crónicas, Lisboa, Temas e Debates.
—- (2004), Onze Prosemas (e um final merencório), Lisboa, Temas e Debates.
—- (2006), Livro-me do Desassossego – dia-crónicas, Lisboa, Temas e Debates.
—- (2007), Aventuras de um Nabogador & Outras estórias-em-sanduíche, Lisboa, Bertrand.
—- (2010), O Peso do Hífen. Ensaios sobre a Experiência Luso-Americana, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais.
—- (2011), Onésimo. Português sem Filtro, Lisboa, Clube do Autor.

 

Bibliografia Crítica Selecionada

CARRILHO, Maria Teresa Carrilho (1998), O Sonho Americano e (Sapa)teia Americana, de Onésimo T. Almeida, Lisboa, Universitária Editor.
DIAS, E.M. (1993), Escritas de Além-Atlântico, Lisboa, Edições Salamandra.
FAGUNDES, Francisco Cota (2003), “Estar-se na diáspora e como: Rio Atlântico como um ponto/uma ponte de chegada da crónica onesimiana”, Desta e da Outra Margem do Atlântico. Estudos de Literatura Açoriana e da Diáspora, Lisboa, Salamandra, pp. 233-253.
GILI, Alice (2008), Che lingua parlano i l(USA)landesi? Ibridismi linguistico e contaminazione cullturale in (Sapa)teia Americana di Onésimo Teotónio Almeida. Dissertazione, Corso di Laurea in Scienze della Mediazione Linguistica. Facoltá di Lingue e Letterature Straniere, Università degli Studi di Torino.
MEDINA, João (1994) “O cronista-mor da L(USA)lândia”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, 23 de Novembro, p. 94
MONTEIRO, George Monteiro (1997), “News from L(USA)lândia: Onésimo’s Azorean Stories”, MELUS, Vol. 22, Number 3 (Fall 1997), pp. 167-182.
MOURÃO, José Augusto (2008), “A diáspora portuguesa – Identidade e alteridade (a partir de Livro(-me) do Desassossego e Aventuras de um Nabogador & outras estórias-em-sanduíche, de Onésimo Teotónio Almeida”, Diacrítica. Ciências da Literatura, nº 22/3, pp. 343-350.
REAL, Miguel (2007), “Estórias ‘exemplares’ e irónicas”, Jornal de Letras, Artes e Ideias, 19 de Dezembro.
VIEGAS, Francisco José Viegas (1998), “Uma ponte sobre a língua atlântica”. Camões. Revista de Letras e Culturas Lusófonas. 2, pp. 6-12.
VIEIRA, Nuno ( 2007), “A temática nas diacrónicas de Onésimo Teotónio Almeida”, Comunidades/USA, vol. I, º 7 (October), pp. 41-42.
VILLAR, Carmen Ramos (2006), Multiple references in The Metaphorical “Tenth Island” in Azorean Literature: The Theme of Emigration in the Azorean Imagination, Lampeter: Edwin Mellen Press.

Ana Paula Coutinho (2012/01/17)